quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

lost in translation



posso positivamente dizer que, durante os próximos dias, vou ser, com alguma diferenças é claro (nomeadamente, sem o Bill Murray), a Charlotte em Lost in Translation, da Sofia Coppola. E digo-o, até, com um certo orgulho.


Jornal i #4 Conhece Harald Eia?

O meu texto de ontem, para o Jornal i, sobre a teoria dos géneros:


Conhece Harald Eia?

Não? Não está só. A culpa é do igualitarismo radical que se abateu, como pensamento único, sobre a sociedade ocidental. Passo às apresentações. Em 2012, a Noruega, nação cimeira do igualitarismo, onde a maioria dos engenheiros continuam a ser homens e as enfermeiras mulheres, discutiu a decisão do Concílio Nórdico de Ministros que encerrou o Instituto Nórdico do Género, expoente máximo da “teoria de género”, base retórica do feminismo radical. Na origem do encerramento esteve o documentário “Lavagem de Cérebro: o paradoxo da igualdade de género”, exibido na NRK (a RTP lá do sítio), produzido por Eia, em que o carácter pouco científico da teoria foi exposto.   

E qual foi a estratégia de Eia para desmistificar esta linha de pensamento? Simples: colocar os estudos daquele instituto, que atribuem a desigualdade entre géneros a questões eminentemente sociais (cultura, educação, valores entre outros), frente a frente com o argumento biológico (genética e natureza humana) defendido por estudiosos da matéria nos EUA e no Reino Unido. O resultado do documentário dificilmente poderia ser mais demeritório para os primeiros, que a certa altura parecem embaraçados com a falta de sustentabilidade científica dos seus estudos. 

Reformulo a pergunta inicial: o leitor acompanhou a polémica? Não? Não se preocupe, em grande medida ela foi boicotada pela imprensa internacional. Aparentemente “hjernevask”, a password escolhida para ver o documentário on-line, que em norueguês significa “lavagem cerebral”, continua a fazer todo o sentido. 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Tradição e Modernidade em Viseu

Escrevi, para a edição do dia 26.12.2014, um texto para o Jornal do Centro que vai assim:


    A CMV celebra o Natal num ambiente de dispersão dramática entre tradição e modernidade. Passo a explicar: É nos oferecido um slogan natalício - “Viseu Natal. SonhoTradicional” – concretizado num presépio que pouco tem de tradicional. Uma modernice e uma declaração de guerra à beleza da tradição ou uma tentativa esforçada para que esta seja eleita não cidade-região mas cidade-província(na)? Diria mesmo tratar-se de um caso de profanação à ideia social de presépio, de revolução gramsciana e transformação social, i. é, destruição dos valores da tradição ocidental. Exagero meu? Provavelmente.  Uma coisa é certa: Se a criação artística é livre a sua contemplação e interpretação também o são. E aquele, para todos os efeitos, é um presépio sem alma.

   Não me interpretem mal, sou capaz de abraçar a novidade como quem abraça um tio querido que não vê vai para uma década, mas isso dependerá sempre de quão tradicional a novidade é e do grau de atentado da modernidade que é intrínseca à tradição. E esta ligação aparentemente contraditória entre inovação e tradição é o paradoxo central da própria Arte moderna. Mas, há também o problema da tradição no momento presente, tempo das verdades absolutas voláteis, que quando criam raízes rapidamente são cortadas. Há um “desassossegono ar”, diz Boaventura de Sousa Santos, rei sem coroa do condado da Sociologia.Sobre este tema recomendo, The invention of tradition, do Eric Hobsbawn e do Terrence Ranger.


    Mas fugo ao problema: é que o presépio do Rossio não é tradição, não é inovação, é aberração, é parolice, encontrando paralelo no “Nós Feirar” e na incrível estátua do D. Afonso Henriques. Três casos penosos e indicadores da debilidade galopante, criativa e artística, da CMV. 

sei que cresci


Com 10 anos acreditava que a idade adulta começava aos 18. Aos 18, achei que ainda não havia chegado lá e decretei que adultos eram só os pra cima dos 25. E tinha razão. Posso dizer que cresci, que sou adulta. Soube-o quando, ao despedir-me do meu Pai, reparo que, o beijo na testa, foi substituído por um ternurento "gostei de te ver", como quem se despede de um amigo de outros tempos ou de um amor assolapado mas, com o passar do tempo, enterrado. Petrificada, por breves momentos, senti não ter nenhuma razão biológica para viver, uma sensação de insipidez apoderou-se de mim; mas não tive como adiar esse atingir de maturidade, ainda que sem fios brancos no cabelo mas já com um projectozinho de rugas, nos cantos dos olhos, como me atesta o espelho. Eis a Graça: um espécimen maduro e plenamente desenvolvido do Homo sapiens sapiens.

Despedi-me dele, profundamente enternecida com o momento, e com o sorriso que lhe rasgava o rosto (foi o que mais me comoveu, por ver ali tanta satisfação) eu também, Pai. Muito. E fiz questão de sublinhar o muito, para que não se confundam momentos destes com os outros, do Amor e da Amizade, da vida corriqueira.

Tudo por causa de um beijo na testa. Não posso dizer que fiquei contente com a descoberta e, por isso, lembrei-me logo da Sally, da série Mad Men.






jornal i #3 lobotomia ocidental

Escrevi para o jornal i, e publico aqui com um atraso de uma semana. Culpo as festividades natalícias.


Sabe o que simboliza o hashtag #i'llridewithyou? Eu explico. Aparentemente, uma mensagem que passou nos media, um pouco por todo o mundo, a propósito do acto terrorista no Café Lindt, em Sydney, não foi o assassinato de duas pessoas por um fundamentalista islâmico. Não, para muitos espíritos bonzinhos que tweetaram, num acto de profunda generosidade e demonstração de compaixão, aquele hashtag, para esses, as verdadeiras vítimas daquele crime são todos os muçulmanos que se sentiram, digamos, desconfortáveis com a atrocidade cometida em nome da sua religião da paz. Isto não só é narcisismo ou negação como é fruto de algo mais grave: a lobotomia do politicamente correcto.

Estas ternurentas alminhas projectam-se como moralmente superiores à restante carneirada, dita islamofóbica. Esquecem é que, como este caso prova, o medo do radicalismo islâmico não é uma fobia, um medo irracional; pelo contrário, é bem real e faz vítimas recorrentemente. Quantas vezes estes messias da diversidade, sob o manto de um discurso progressista, escondem o autoritarismo daqueles que gostariam de um mundo uniforme, em que todos perorassem o mesmo credo e adaptado aos ditames dos "oprimidos"? Quantas vezes estes dogmáticos da tolerância, em nome dela, demonstram incrível intolerância para com aqueles de quem divergem? Pergunta-se, certamente, o leitor: quem terá lançado o primeiro tweet? Rachel Jacobs, membro activo do partido Os Verdes. E está tudo dito. Não há pior radicalismo que o radicalismo da negação ocidental.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Shame outra vez




Como escreveu o Pedro Brandon (Fassbender) é "um dependente (sexual) que é contra a dependência (afectiva)". Este é um filme que vou "trever"

Shame, Steve McQueen (2012)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

jornal i #2 eco-cepticismo

Texto publicado hoje, no jornal i:

Decorreram, mais uma vez, a semana passada, em Lima, no Peru, diversas sessões sobre o dogma das alterações climáticas com a alçada da ONU. Sabemos de antemão que a chefe suprema da ONU para esta matéria, Christiana Figueres, já tem opinião quanto ao melhor sistema de governo para lidar com a problemática. Simplesmente, a senhora declarou que a democracia é um sistema fraco e deu o sistema de governo Chinês, a título de exemplo, como modelo: é que o partido comunista chinês tem uma atuação mais eficaz, proclamou a senhora. A democracia surge assim, ao melhor estilo revolucionário, como um sistema incompatível com bom desenvolvimento da Amazónia ou da horta. 


A par disto e não sendo especialista, algumas coisas me incomodam neste tema. Em primeiro lugar, a histeria sensacionalista, que não anda a passo com a "evidência inquestionável" da ciência, e que dá ao ecologismo um pendor de seita religiosa. Sobre este ponto, aconselho, para acalmar as emoções dos radicais, uma vista de olhos a "Cool it", da autoria de Bjorn Lomborg, ex-activista da Greenpeace, veggie e por isso insuspeito. Depois, o oportunismo político de gente como Al Gore, capaz de transformar meia-verdade conveniente numa verdade inconveniente com pouca adesão à realidade científica. Acresce, ainda, a transformação deste tema em refúgio ideológico que alguns órfãos do muro de Berlim encontraram para atacar o capitalismo partindo do "ambientalismo" e do eco-terrorismo. Como se este fosse um território dos direitos adquiridos da esquerda.

a Frances em todos nós





É simples: o tempo passa, nós mudamos e, eventualmente, crescemos. No meio disso, Greta Gerwig é uma óptima actriz.  Frances Ha, Noah Baumbach (2012)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Brand vs. Farage

Tempos políticos estranhos estes, em que um político dito "sério", que lidera um dos mais populares partidos do UK (UKIP), se dispõe a discutir com uma pseudo rock star, um canalha da esquerda, um tipo anti-sistema que tem mais audiências do que ministros que tomam decisões com efeitos imediatos na vida das pessoas? Quando um marginal se torna mainstream, nasce um problema.  Vá, Brand é engraçadinho e um escritor mediano, mas é o ex-marido da Katty Perry. Não há equivalência neste debate em termos de qualidade e status, se quisermos resumir. Isto só sugere que o UKIP faz de tudo para aparecer na TV. E não sei se ainda é necessário.

Fica a sugestão por cá: pôr o Marinho Pinto a discutir com o Manuel João Vieira.





106 anos

No dia em que Manuel de Oliveira comemora 106 anos, o jornal Expresso publicou uma entrevista  de 2013 com o Pedro Mexia:

"O cinema dá-nos uma visão da vida. E a vida é um mistério". 


Além disto, que já é muito, na entrevista o realizador defende o primado da dúvida face à certeza, e resiste, ainda e sempre, à incompreensão. É tudo.



quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Jornal i #1 Jovens Mimados

Publicado, ontem, no jornal i. E na próxima terça-feira repete-se; e na outra, e na outra...Sejam bondosos e aturem-me.

A vontade de mudar o mundo sempre foi reflexo de uma juventude mimada e revoltada por ter de arrumar o quarto ou de cumprir os mínimos, ao nível da higiene, para uma vida em comunidade: os membros dos movimentos dos 60, em comum, tinham o quarto desarrumado e um sovaco afirmativo. Entre os jovens utópicos, nas profundezas do pensamento sobre ideias inatingíveis, não sobra tempo para a vida individual. Compreendo que um semiburguês “Caetana, faça a sua cama” ou um suburbano “Cajó, esfrega-te atrás das orelhas” soe a fascismo paterno. No meio do quotidiano, onde fica a justiça social? E o combate ao neoliberalismo? Ao escrever recordo Christian, personagem do livro “A procura do Amor”, de Nancy Mitford, um comunista que “vivia nas nuvens” e, quando descia à terra, dissertava sobre um tema, monótona e repetidamente, como um atirador impreciso, eternamente condenado à incapacidade de acertar no alvo.

A marcha do tempo não parou: o mur(r)o de Berlim não caiu bem à esquerda ortodoxa, a juventude lá adoptou novas causas, mais ou menos fracturantes, mais ou menos nobres, e o fundamentalismo religioso ganhou terreno entre os filhos das sociedades ateístas. E eis a suprema ironia: o jovem jihadista, nas fileiras do EI, necessita de um iPod, mas mantém a teimosia em não fazer a cama ou lavar tachos. Enquanto luta, em nome de Alá, contra o Ocidente, grita por Steve Jobs, o iDeus que o irá salvar. A guerra está materialmente ganha quando estes meninos não abdicam da manifestação mais óbvia do Ocidente: o estilo de vida dos infiéis.

todos os cuidados são poucos

é que eu leio a Nancy Mitford.

A Linda era uma ameixa madura, pronta a ser sacudida da árvore. A árvore estava agora a ser sacudida e lá caiu ela. Inteligente e enérgica, mas sem possibilidade de descarregar as suas energias, infeliz no casamento, desinteressada da filha e oprimida interiormente por um sentimento de futilidade, estava disposta a abraçar uma causa ou a iniciar um caso amoroso. Que uma causa lhe fosse agora apresentada por um jovem atraente tornou ambos irresistíveis.

Nancy Mitford, A Procura do Amor, Dona Raposa, p. 91.




e sou fã de cinema de "autor". Compreendo os bocejos. 


Em entrevista aos Cahiers du Cinema [N.º 705, Novembro 2014, p. 11]:

Le filme n'a pas du tout un ton militant, malgré l'injustice qui y est racontée. Peut-être que l'étrange dans toutes les formes de l'amour, c'est plutôt la persistance.

Ira Sachs: L'injustice est simplement un moteur de l'intrigue. Ce qui ne veut pas dire que l'intrigue n'est pas basée sur une histoire contemporaine, un problème d'aujourd'hui, mais l'injustice permet surtout de révéler les personnages par leur façon d'y réagir. Le mot "persistance" me fait penser à l'effet que nous avons sur les autres, en tant qu'individus, ainsi que l'effet des lois sur nos vies.