sábado, 28 de fevereiro de 2015

eu sou o amor, segundo a Agustina

(...) mas em nada disso está afinal o amor, que é a graça de estar presente e simultaneamente extinto na afirmação de todas as coisas e de todos os outros.

Escreve a Agustina, n' Os Incuráveis.








Io sono L'amore (2009), Luca Guadagnino

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

jornal i #11 Um hábito insconsciente


Viajar de avião será, de acordo com a nova proposta antiterrorista da UE, um striptease completo: além dos raios X e das ocasionais apalpadelas, a partir do momento em que põe o seu pezinho dentro de um avião no espaço da UE dará os seus dados pessoais, incluindo informação bancária, aos serviços policiais, por um período que pode ir até aos cinco anos. Os dados serão partilhados, pelo menos, pelos serviços de segurança dos 28 estados-membros. A ideia é monitorizar possíveis jihadistas em passeio pela Europa. E pergunta-se: “In dubio pro reo?” Presunção de inocência? Proporcionalidade? Nada disso: espera-se que prove a sua natureza não terrorista e inocência, revelando transacções financeiras, dados bancários e demais dados pessoais. Estão a tomar conta de mim? Um líder totalitário diria o mesmo. Se me explicarem a diferença, agradeço.

Recordo que o direito à privacidade e à protecção de dados, garantidos na Constituição e, mais recentemente, na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, foram consagrados com base na convicção de que algumas liberdades individuais devem ser protegidas ao mais alto nível contra qualquer tentativa do Estado de agir sob um impulso autoritário, raiz de qualquer poder estatal. E já nem falo das possibilidades intrusivas dos privados, nem das cedências individuais de cada um de nós. Contas de outro rosário…

Como diria um Benjamin Franklin do século xxi, um povo que dá a sua liberdade, a sua privacidade e identidade e a sua conta bancária, em troca de um pouco de segurança, não merece nada disso. Nos dias de hoje é um hábito tão forte que já nem é consciente. E é essa a estratégia epistolar desta nossa “sociedade civil”.

uma pergunta adequada

How to Think Like Edmund Burke?

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Jornal i#10 Era um frigorífico, por favor



António Costa, edil lisboeta e candidato a primeiro-ministro, aprovou um perdão de 1,8 milhões de euros a um clube de futebol profissional. Até aqui nada de grave, caso as taxas e taxinhas indultadas fossem relativas a apoios a modalidades amadoras, juvenis ou outras actividades de interesse público. Mas não, as taxas e taxinhas da discórdia são relativas a capitalismo puro e duro – vulgo actividades comerciais.

Segundo consta, Mário Soares já alinhavou um duro roteiro sob o título “António Costa o perigoso neoliberal”.

Em causa não está o clube, nem poderia estar, este limitou-se a aproveitar uma benesse pré-eleitoral. Sejamos honestos, quem não aproveitaria? Em causa está o conceito BSF*, que subjaz a toda a acção política do Partido Socialista nas últimas quatro décadas, acção cujos resultados estamos a pagar.

Costa, que é acusado de não apresentar ideias concretas para um futuro governo nacional, mostra que se há coisa que não perdeu foi a veia esbanjadora socialista. Esta medida de pré--campanha é um sinal evidente do que ainda está para vir.  
Para esta campanha podemos sonhar com um regresso glorioso do Partido Socialista às saudosas campanhas dos anos 80 e 90, em que tudo era possível. Entretanto, como que não quer a coisa, já comecei a arranjar espaço na cozinha, na esperança de que António Costa faça a sua visita e deixe um microondas ou, quem sabe, até, o tão desejado frigorífico eleitoral.



* Bolsos Sem Fundo – Política económica em que o despesismo impera e a posteriori alguém pagará a factura.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

o início

iniciada estava a nossa amizade, como aquelas que Borges descreve como uma dessas amizades inglesas: excluídas de confidências e omissas em diálogos.



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Jornal i#9 There is no such thing as boredom

O meu texto de hoje para o jornal i:



Leio D. F. Wallace e sinto uma certa admiração. Wallace enfrentou os seus fantasmas e, passo a passo, desceu ao inferno. O resultado foi brilhantemente entregue em “O Rei Pálido”, romance obrigatório dedicado ao tormento contemporâneo do tédio.

As dissertações sobre o tema variam entre melancolia, ennui, taedium vitae, depressão e tudo o que explique o sentimento de desassossego, tão familiar a Pessoa, defensor da “dignidade do tédio”. Tudo parece recuar a Blaise Pascal: a alma é vazia e, nunca satisfeita, recorre a estratégias de sobrevivência para lidar com o quotidiano.

Em “Boredom”, Peter Toohey aborda o assunto declarando “there is no such thing as boredom”: o tédio é a máscara que esconde uma constelação de desconfortos, físicos e psicológicos. Toohey analisa posturas e olhares em imagens, e é assim que justifica que Victoria Beckham tenha sido considerada uma das personalidades mais sequinhas do Reino Unido. Nas imagens, Victoria, surge invariavelmente com uma expressão facial blasé, vazia de emoção. A expressão facial é sempre humana, demasiado humana.

Não era necessário recorrer a Beckham, como prova de que os belos (duvidoso neste caso…) e abastados sofrem dessa angústia. Antonioni tratou o tema. Em “A Noite” diz-nos, baixinho, ao ouvido, no desenrolar da cena final em que Lídia e Giovani, de costas para nós, de costas para o mundo, portanto, cristalizam um casal que vive entre o tédio e a inquietação ligado pelo desconforto de um silêncio gasto. E como esquecer Vitttoria, em “L’eclisse”, que se questiona ce pasione de cosa?

Sophia e a Grécia

“Se não mudarmos a Europa, a extrema-direita irá fazê-lo.”


algumas pessoas, mais facilmente seduzidas pelo dandismo e rebeldia do sr. ministro das finanças grego, afrontam-se, num rasgo de paixão caótica, com fogachos precoces e indomáveis. outras, emancipadas, mais recatadas, tímidas e ferozmente reservadas, recordar-se-ão do poema da Fúria e Raiva de Sophia: Com fúria e raiva acuso o demagogo/ que se promove à sombra da palavra/e da palavra faz poder e jogo/ e transforma as palavras em moeda/ como se fez com o trigo e com a terra. Visões do mundo radicalmente diferentes, portanto, a de Sophia e das que não a esquecem e das outras, as revolucionárias ofegantes.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Jornal i #8 Segurança da liberdade

O meu texto de hoje para o jornal i:

No dia 11 de Setembro de 2001, o mundo perdeu parte da sua liberdade. Ou, melhor, a liberdade foi a grande derrotada do dia. O mesmo voltou a suceder na sequência do ataque em Paris.

Sempre que volta à baila o problema que opõe segurança a liberdade, a grande derrotada é esta última. É evidente que a necessidade de haver um reforço do controlo da circulação de pessoas exteriores ao espaço europeu limitaria a liberdade de circulação. Mas tempos de contaminação quotidiana pelo medo, sendo terreno fértil para seguidores de teses radicais, não me parecem convidativos à reflexão séria sobre estes temas.

Isto vem a propósito da reunião ocorrida em Bruxelas, com os ministros competentes dos Estados-membros, com vista a serem discutidas medidas contra o terrorismo. Não existe uma resposta fácil, mas há um debate que não deve deixar de ser realizado que é o da “segurança da liberdade”. Este debate é essencial para o modo de vida ocidental com reflexos, por exemplo, na privacidade e identidade de cada um e no acesso e utilização de informação pessoal por parte de diversas instituições. A solução não está entre optar por um em detrimento do outro, mas sim em encontrar um equilíbrio justo entre ambos, equilíbrio esse que garanta a segurança necessária para a vida colectiva com danos mínimos ao nível da protecção das liberdades individuais.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

tempos de espera



La femme d'à côté, F. Truffaut (1981)

tédio

"(...) pelo menos olhando para trás, a pergunta realmente interessante é por que razão o tédio demonstra ser um impedimento tão poderoso à atenção. Por que razão sentimos aversão pelo aborrecido. Se calhar, é porque o tédio é intrinsecamente doloroso; se calhar, é daí que vêm expressões como "mortalmente aborrecido" ou "excruciantemente aborrecido". Mas é possível que haja mais qualquer coisa. Se calhar, o tédio está associado à dor psíquica porque uma coisa que é aborrecida ou opaca não consegue fornecer estímulo suficiente para distrair as pessoas de outro tipo de dor mais profunda, que está lá sempre, ainda que a um nível ambiental baixo, e que a maioria de nós dedica quase todo o tempo e energia a tentar não sentir, ou pelo menos a não sentir diretamente ou com toda a atenção. (...) Não consigo imaginar que haja alguém que acredite realmente que a denominada "sociedade de informação" tenha a ver apenas com a informação. Toda a gente sabe que tem a ver com outra coisa qualquer, mais profunda."

David Foster Wallace, O Rei Pálido, p. 101.