quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Jornal i#40 - O muro que não caiu

Ontem, para o  i,

"Na sequência da proclamação de António Costa (AC), na semana passada, de que o “muro” tinha caído, secundada pelo historiador e guru ideológico Pacheco Pereira (PP) que garantiu que a “Esquerda mudou”, no programa Quadratura do Círculo da SicN, ouvimos também o argumento da esquerda de que o CDS-PP também tinha mudado na história parlamentar portuguesa, sobretudo o euroceticismo. A diferença que cumpre registar é que, para o CDS-PP mudar ninguém proclamou a queda de um muro e não foram necessárias grandes ou pequenas revoluções; essa foi uma mudança gradual que foi ocorrendo ao longo de anos, como todos os processos evolutivos devem ser. O CDS-PP andou a par e passo com o tempo, nunca quis estar adiante ou atrás dele, esta sim é uma atitude verdadeiramente conservadora. Para o processo de mudança ocorrer de forma séria e consistente, mais do que grandes revoluções devemos a assistir a pequenas evoluções. Ao invés do PCP, que optou por congelar-se numa cápsula do tempo, foi isto que aconteceu no CDS-PP e na sociedade Portuguesa.


Mas, não, para AC e PP, a transfiguração radical de uma realidade ocorre num espaço de semanas, como que por milagre, por via de uma simples proclamação, sem que nada nas ideologias políticas dos partidos de extrema-esquerda tivesse mudado. O problema é que o muro mais importante, o muro intelectual, não cai de um dia para o outro, muitos menos para os militantes comunistas portugueses. Vamos a factos: não foi assim há tanto tempo (fevereiro do ano passado) que no parlamento português, uma deliberação que condenava os crimes contra a Humanidade perpetrados pela Coreia do Norte foi aprovada por todos os partidos, menos pelo PCP. Ainda este Sábado, depois da declaração de Costa e do Guru PP, precisamente no mesmo dia em que o PCP se mostrava contra a participação de Portugal em exercícios militares da NATO, em entrevista à TVI, Jerónimo de Sousa reafirmava a condição Marxista-Leninista do PCP."

domingo, 25 de outubro de 2015

chuva

      "A cabana estava às escuras. Lá dentro havia o som da sua infância, o tamborilar da chuva num telhado que era feito apenas de barrotes e tábuas nuas, sem isolamento nem teto. Associava-o  ao amor da sua mãe, que no tempo próprio havia sido tão previsível quanto a chuva. Acordar a meio da noite e ouvir a chuva ainda a tamborilar como quando tinha adormecido, ouvi-la noite após noite, havia-lhe dado uma sensação tão parecida com a de ser amada que era como se a chuva fosse também amor. A chuva que tamborilava durante o jantar. A chuva que tamborilava enquanto ela fazia os trabalhos de casa, a chuva que tamborilava enquanto a mãe fazia malha. A chuva que tamborilava no Natal com a arvorezinha triste que se conseguia de graça na Noite de Natal. A chuva que tamborilava enquanto abria os presentes que a mãe tinha comprado com o dinheiro posto de parte durante o outono inteiro. 
      Sentou-se por algum tempo no escuro e ao frio, à mesa da cozinha, ouvindo a chuva e sentindo-se comovida. Depois acendeu uma luz e abriu uma garrafa e ateou o lume no fogão e lenha. A chuva caia sem parar."

Jonathan Frazen, Purity, p. 677

a pergunta

When Everyone’s a Friend, Is Anything Private?

terça-feira, 20 de outubro de 2015

grandes momentos Downton Abbey



1ª Temporada, episódio 4.

Jornal i# 39 - Quatro razões, mais uma, para Cavaco não nomear Costa


"1.   Desde logo, jurídico-constitucionalmente, o Presidente da República (PR), tem legitimidade democrática direta, é um órgão com poderes próprios, com funções de direção política, podendo exercê-las com liberdade política ainda que dentro dos limites do n.º 1 do artigo 187.º da CRP;

2.   A declaração do PR depois da audiência a Passos Coelho afasta todas as propostas revolucionárias (NATO, Euro) que formam a matriz identitária do BE e do PCP. O PR sabe que para Jerónimo e Catarina Martins, o PS antes das eleições era um partido de direita, foi com base nesse “trunfo” que fizeram campanha e foi essa acusação que foi sufragada pelos portugueses;

3.   António Costa (AC) deixou claro que as negociações à esquerda correm melhor que as à direita. Contudo, estas negociações não são para a formação de um governo de esquerda (algo que não é aceite dentro do próprio PS e mesmo no BE e no PCP) mas para permitir que o PS, que elegeu menos deputados (86)  que o PSD (89) e, claro está, que a PàF (107), forme governo com o acordo parlamentar do BE e do  PCP. Ora, o PR não pode nomear AC para Primeiro Ministro, neste cenário, justamente porque o tal limite do artigo 187.º, n.º 1 da Constituição são os “resultados eleitorais” que, como é sabido, deram a vitória à Coligação;

4.   Com um governo minoritário PSD/CDS, não é garantido que o programa de governo e o orçamento chumbem, por existir um artigozinho na Constituição onde se lê “os Deputados exercem livremente o seu mandato” e não faltam exemplos de deputados desalinhados com a orientação da direção parlamentar na nossa história constitucional;

5. Por último fica o argumento-argumento: muitos idealizam a vida política nacional como uma réplica da série “Borgen”. Tal poderia não ser totalmente desajustado da realidade se não estivéssemos a falar de AC. Infelizmente, AC apresenta mais similaridades com a personagem principal da série “House of Cards” e a forma como se descartou de José Seguro é prova disso. E, na vida real, ninguém quer um Francis Underwood no poder."
Hoje, para o i.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Agustina

«Eu não me levo muito a sério. É a melhor maneira de viver. Aquele que se leva a sério está sempre numa situação de inferioridade perante a vida.» 

(Agustina Bessa-Luís faz hoje 93 anos.)


Via Facebook.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

"Ao imaginar os pais sozinhos neste lugar numa tarde de domingo, sem o filho, em conversa esparsa e quase inaudível, naquele jeito de casal de velhos, sentiu o coração aproximar-se perigosamente da compaixão"

Purity, Jonathan Franzen, p. 108

Jornal i#38 O verdadeiro intento do PAN

Ontem, para o i, 

"Enquanto alguns se babam por um governo comunista e aquela “coisa” de António Costa e outros se afligem, muito prontamente, com engano de um apresentador de telejornal esquecemos o facto mais importante das últimas eleições: o PAN elegeu um deputado! Esqueça o radicalismo do BE e do PCP em relação à NATO e ao Euro e desengane-se: o PAN não é só um fervoroso defensor das árvores e dos bichinhos, o que até se compreende como estratégia de afirmação política; o seu verdadeiro intento é “transformar a mentalidade e a sociedade portuguesa e contribuir para a transformação do mundo de acordo com os fundamentais valores éticos e ambientais”. Ficará cumprido o sonho de qualquer candidata a miss universo?

Depois de quatro anos de grandes amarguras para os portugueses, 74.752 votaram num partido cujo “desígnio maior” é “defender o ambiente em que estamos”, segundo o deputado eleito. Mas, pondo de parte os direitos da natureza e dos animais, esquecendo, portanto, que o direito é produzido pelos homens e para os homens, que é um produto cultural emanado dessa propriedade específica do homem, o programa eleitoral do PAN é rico em propostas como a inclusão dos animais no agregado familiar, distribuir gratuitamente  copos menstruais em consultas de planeamento familiar para diminuir a poluição e o desperdício de recursos (p. 45), implementar o sistema de partilha de horas diárias entre o vitelo e a progenitora (p. 33) e, num rasgo de autoritarismo ou marxismo animal como já lhe vi chamar, regulamentar melhor e de uma forma mais restrita a publicidade alusiva a produtos não saudáveis ou com impactos negativos na saúde (p. 52).

As preocupações com o ambiente são absolutamente legítimas. O problema é quando isso se converte numa bandeira ideológica e num radicalismo holístico do ambientalismo tradicional que impede o debate construtivo sobre o tema – o que, infelizmente, acontece com os partidários da deep ecology, à semelhança do lobby da ideologia do género para o qual, afinal, interessam as diferenças entre “ele” e “ela” e não apenas a felicidade do individuo, como ficamos a saber com o episódio Quintanilha."


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Jornal i #37 O individualismo cru de Jonathan Frazen


Andreas, jovem habitante da República Democrática Alemã, um predador natural, como é insinuado pelo seu emblemático apelido à la Dickens, personaliza uma das críticas de Purity ao comunismo: a sua tentativa de negação de um “lobo” na Humanidade, de um jovem que constrói a sua individualidade, ainda que censurável, que pensa e age por conta própria, sem “pensar no coletivo”, sem suprimir os seus “desejos egoístas” (e, diga-se, excessivamente carnais) e, por isso, sem colocar à frente os “objetivos do coletivo”. 


Em “Purity” subjaz inequivocamente uma ideia de individualismo exacerbado, cru e violento, porventura compreensível como antídoto contra a nefasta experiência coletivista de que Wolf é vítima. Ainda assim, quando percebemos que, num mundo pós 1989, Wolf é um foragido, apesar de famoso pelas suas provocações, talvez Frazen nos queira dizer que, ainda hoje o mundo é um espaço hostil à individualidade, que é fonte de valor para si mesma, nesta vida que se consulta, se costura, surda, sonora, insana, entre um prefácio e um colofão. 

Ontem, para o jornal i.