quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Portugal ao espelho

A propósito do que aconteceu hoje, é muito isto:



"Com tudo o que na sua vida pública e política acontece de rasteiro, torpe, vergonhoso, Portugal mantém a rara qualidade de só ver no espelho, não o que este reflecte de miserável, mas o alegre piscar de olho do trapaceiro, a arte do vigarista da vermelhinha, a certeza de que embora às vezes demore, está  provado que o chico-espertismo leva sempre a melhor.

É um país que dispensa legisladores que o corrijam ou juízes que o castiguem, mas para espanto das gerações vindouras está a pedir um Balzac que lhe retrate os personagens e a triste comédia."

blue lounge

um sítio que me é muito próximo: blueloungecafe


à la Mod



Murder à la Mod (1968), Brian De Palma

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Jornal i#44 - A culpa não é do Ocidente


"Os massacres de Paris enjoaram-me duplamente. Primeiro, pela barbárie; depois, pela série de clichés a que assistimos desde as vagas de descolonizações do pós-ii Guerra Mundial, entre os quais a “culpa do Ocidente”. Procuram-se razões para justificar a atitude destes “jovens problemáticos”, como que desculpando-os, relativizando o crime com os guetos, o desemprego, a falta de integração, etc. Estes são problemas, sim. Mas nem de perto nem de longe a culpa é apenas e só dos países de acolhimento, dos “ocidentais” – veja-se o caso da integração da imigração lusa. 

Devido ao sentimento de culpa fazemos demasiadas concessões, vergadas à tolerância, para com as comunidades islâmicas: em Penela, no acolhimento de refugiados, entre as actividades que visam a integração, as aulas de português serão dadas a homens e mulheres em separado. Alguém perguntava, com razão, se esta duplicação de esforços também se aplica nos hospitais e nas escolas. E já nem falo nos milhões de euros que a Câmara de Lisboa vai dar para a construção de uma mesquita, uma benesse não atribuída, tanto quanto se sabe, a outras confissões. Também em Espanha, está estipulado que para tirar as fotos do BI seja visível todo o rosto, cabelo e orelhas, um princípio que até se aplica a freiras mas não a mulheres muçulmanas, a quem é permitida a foto com cabelo tapado. 

Mas as falhas de integração são também culpa de quem chega, como notava Serafin Fanjun numa esclarecedora entrevista ao “Público” no dia 19, referindo-se à endogamia e ao proselitismo. De facto, as sociedades europeias deram os primeiros passos, agora cabe àquelas comunidades fazê-lo. De resto, por uma única vez, gostaria que poupássemos nas palavras, nas explicações, na complacência, como resposta a quem nos odeia e, além de reduzirmos a pó uma ameaça identificada, que deixássemos de nos culpar a nós pelas intenções de um grupo terrorista que nos quer destruir. De outro modo, passarão vários anos e este texto fará todo o sentido."


Hoje, para o i, na mesma altura em que o Henrique Raposo publica um texto sobre o financiamento da CML à nova mesquita.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

memória






Blue Valentine (2010), Derek Cianfrance 

Com o passar do tempo esquecemos pessoas, lugares, ocasiões, momentos, situações, razões, decisões, etc... É um pouco isso que acontece neste filme que eu me esforço para não esquecer.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Too much information

"Social networking, transparency, exposure, confession, surveillance, Big Data - we live in a time when the flows of information of all kinds have never been freer or more voluminous. (By 2020, to cite almost numbingly meaningless numbers, there will be forty zettabytes of digitally produced data, or roughly 5200 gigabytes for each person on the planet.) Much of that information is about us: you, me our neighbors, our fellow citizens. And much of that information ends up, often without our knowing it, in the hands or data banks of corporations, governments agencies, criminal gangs, or simply interested (and sometimes malicious) others.

Using this data - Big Data, as it's so ominously called - companies and governments are able to create virtual versions of each and every one of us. These algorithmic selves (..) are in turn used not simply to anticipate our longings and cater to our needs, but even to shape and reinforce our behaviors and beliefs.

Are we concerned about this? A little, but not much. Certainly not enough to change our ways - or even demand that powerful organizations change theirs. The benefits of connectedness, efficiency, and instant access to information are powerful inducements to accepting an ever-more networked status quo. And the age-old need to confess to even the darker aspects our private lives has become more compulsive, if differently motivated, in our tell-all times.

Yet there are good reasons to question our complicity in a networked world of 360-degree transparency, and to think more critically about how the "cryptopticon" (this voluntaristic surveillance regime) may be shaping our selves and our culture in ways that are less benign. "What if confessional culture is simply an avenue for turning the surveillance society inside out?" asks historian Sarah Igo. And what if both lead to the decline of the very agency, creativity, and individuality that we thought our information-rich, networked reality was going to support?"

The Hedgehog Review. Critical Reflections on Contemporary Culture, Spring 2015, p. 17.

Um bom resumo da minha investigação para o doutoramento.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Jornal i #43 - O Bloco de Esquerda sabe o que é um Estado Constitucional, Representativo e de Direito?

Hoje, para o i,

A grupelha par(a)lamentar do Bloco de Esquerda (BE) tem vindo a provar ser, no nosso país, um perigo (e já estou a contar o PCP!)  para o Estado constitucional – assente numa Constituição reguladora de toda a sua organização e da relação dos cidadãos de modo a limitar o poder – Representativo – por haver uma dissociação entre a titularidade e o exercício do poder – e de Direito – porque, para garantir os direitos dos cidadãos, se estabelece a divisão do poder e o respeito pela legalidade. Esta confraria trotskista, expoente máximo da democracia jacobina, não é bem um partido mas um grupo de teatro amador, com diversas tendências semi-incompatíveis no seu interior, o que justifica alguma da sua irresponsabilidade. 

Ouvi-mos Catarina Martins, em Outubro, dizer “indigitar Passos é uma perda de tempo”. Uma proclamação sem preconceitos, não gostam do que está, tudo bem. Mas esta proclamaçãozinha, embebida em revolta e portadora do gosto de moralização da política tão bloquistamente característico, é perigosa se for lida em sintonia com a afirmação da deputada Mariana Mortágua (MM) no texto “Felizmente há luar”, publicado no JN. Nesta disparatada prosa, MM descreve o derrube do Governo no Parlamento como “um momento anedótico da situação política, fruto de um capricho de Cavaco”. 

Parece que, para estas senhoras, o regular funcionamento dos órgãos constitucionais, legitimados nas urnas pelo Povo, é uma anedota. Gostaria que, num dos momentos de pausa do planeamento da Grande Revolução, abrissem a Constituição no artigo 187.º e 195.º, n.º 1, al. d) para comprovar a existência de uma anedota cuja finalidade é regular e limitar o exercício do poder, dos nossos órgãos constitucionais, no caso um pressuposto de legitimidade de qualquer governo. Mas, compreendo, isso já seria pedir muito a quem nas últimas semanas se porta como dona do País e da verdade. Mal parada está a democracia, se António Costa deposita todas as hipóteses de um governo seu sobreviver a uma legislatura, num partido como o BE.





sexta-feira, 13 de novembro de 2015

de um momento para o outro

"Posso chamar-te a atenção para uma coisa? Usas sempre verdade e verdadeiramente, quer quando falas, quer quando escreves. Ou então dizes: de um momento para o outro. Mas quando é que as pessoas falam verdade  e quando é que as coisas acontecem de um momento para o outro? Sabes melhor que eu que é tudo uma embrulhada e que a uma coisa segue-se outra e depois mais outra. Eu já não faço nada verdadeiramente, Lenù. E aprendi a estar atenta às coisas, só os imbecis é que acham que elas acontecem de um momento para o outro".

Elene Ferrante, História de Quem Vai e de Quem Fica,  p. 246

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Jornal i # 42 - A mordaça de Sócrates


Na terça-feira, para o i, 

Ilusão e mentira são criadas através da manipulação da realidade, técnica que José Sócrates (JS) domina como poucos atores políticos nacionais. Projetos esquálidos na Guarda, Caso Cova da Beira, Universidade Independente, Freeport, Face Oculta (FO), Operação Marquês, Monte Branco, desde meados dos anos 80 aconteceu de tudo um pouco na vida de JS. Não sendo território virgem, recordando o caso do Jornal Sol no âmbito do processo FO, a providência cautelar interposta pela defesa de JS sobre o grupo Cofina, não deixa de ser mais uma nódoa neste curriculum que chegou à Sobornne [a prova fumegante que o ensino superior já não é o que era].

Juridicamente, a decisão é injustificada e desproporcional dado o seu âmbito demasiado extenso e, por isso, indefinido: desde logo, o conteúdo proíbe a publicação de qualquer notícia sobre o processo. Por outro lado, a aplicação da decisão abrange todos (e só) os jornais do grupo Cofina o que, evidentemente, choca com o seu direito a informar.

Ninguém defende a reprodução de escutas do âmbito privado. Não encontro qualquer valor em ouvir JS a pedir à mãezinha que lhe ofereça dois bilhetes para o "50 Sombras" ou que, pelo Natal, lhe traga aquelas meias quentes que usava em miúdo na serra. O segredo de justiça deve ser respeitado, as informações que resultam da sua violação num mundo ideal não devem ser divulgadas. Mas, atendendo aos crimes imputados, praticados durante o seu mandato como Primeiro-Ministro, o interesse público no conhecimento dos factos surge como inequívoco.

Voltando à manipulação da realidade, um jornal tem por missão a revelação de factos da forma mais clara possível e, com eles, abrir janelas de oportunidade de visão da realidade despistando a fantasia interior da convicção mais oportuna. Dizia JS, em Vila Velha de Ródão, “o que caracteriza o Estado de direito democrático, não é o que ele pode fazer, mas o que ele não pode fazer”. Estou de acordo, por isso é que esta censura prévia, com o aval da justiça, é vergonhosa. Sendo duplamente grave em face do silêncio tanto da “imprensa de referência" que, em janeiro último, imprimiu eloquentes editoriais sobre liberdade de informação, como de uma população que se diz Charlie. Entretanto, há um governo para derrubar e uma frente unida para eleger, a defesa da liberdade pode aguardar.

sobre as minhas raízes políticas

Uma bancada parlamentar fortíssima com o Francisco Mendes da Silva que muito me inspira desde o momento em que, há alguns anos, participei na sua candidatura à Câmara de Viseu num momento inesquecível (de porco no espeto) em S. Pedro de France.*


*Para que nunca haja dúvidas sobre as minhas raízes políticas. Sim, é verdade, tudo se resume a um momento tradicional de porco no espeto  durante a campanha das autárquicas em que o FMS foi candidato á Câmara de Viseu.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

doenças nervosas são para senhoras

"Esta última palavra é que tirou Lila do torpor. Franziu a testa, debruçou-se para a frente, falou em italiano:

- Está a dizer que estou doente dos nervos?
O médico olhou-a surpreendido, como se por magia a paciente que acabara de observar tivesse sido substituída por outra pessoa.
- Pelo contrário, estou-lhe apenas a aconselhar um controlo.
- Disse ou fiz alguma coisa que não devia?
- Não, não se preocupe, a consulta serve apenas para ter um quadro claro da sua situação.
-Uma parente minha, disse Lila, prima da minha mãe, era infeliz, foi infeliz toda a vida. No verão, quando eu era pequena, ouvi-a pela janela aberta, gritava, ria. Ou encontrava-a na rua, a fazer coisas um pouco loucas. Mas era da infelicidade, e por isso nunca foi a um neurologista, aliás, nunca foi a médico nenhum.
- Teria feito bem em ir.
- As doenças nervosas são para as senhoras.
- A prima da sua mãe não é uma senhora?
-Não.
-E você?
- Eu ainda menos.
- Sente-se infeliz?
- Estou óptima.

Elena Ferrante, História de Quem vai e de Quem Fica, p. 147

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Jornal i#41 - O "Público" ao serviço do PS?

Ontem, para o  i,         

      Desde logo, a moção "Mobilizar Portugal" a que o artigo se refere não é seguramente esclarecedora dessa intenção do PS querer romper com um bloqueio que não tem só 40 anos: dura desde sempre, desde que foi instaurado o atual regime democrático. Mas se a proposta eleitoral já de si não nos dá grandes pistas, analisando aquilo que foi a realidade da campanha, só mesmo por esoterismo se poderia concluir positivamente pela existência de uma vontade de consenso à esquerda. O PCP continuou a oferecer-nos a mesma música da M80, revisitando aquilo que lhe ouvimos sempre, nos anos 70, 80 e 90, protagonizando violentos ataques ao que considera ser a “política de direita” dos socialistas portugueses. Ouvir, aliás, as respostas de António Costa no debate com Jerónimo ou Catarina Martins só pode levar-nos a concluir por uma vontade frentista, na linha humorística com que Herman José nos cantava, “quanto mais me bates, eu mais gosto de ti”. Acresce que para concluirmos pela existência de um eleitorado esclarecido, não se pode fazer uma análise apenas centrada no PS, ignorando, se o que está em causa é um fact checking, a postura, os discursos e a campanha dos outros partidos.
           O Público chega ao ponto de afirmar que a prova da existência de esclarecimentos sobre a suposta disponibilidade para fazer uma aliança à esquerda decorre da hipotética ausência, já na campanha, e cita-se, de "referências diretas a consensos com o BE ou o PCP". Ou seja, a clarificação teria existido na pré-campanha, mas na campanha teria sido diluída por um discurso à procura da maioria. Para o fact checking do Público, pouco importa se Costa apresentou um programa macroeconómico nos antípodas do que é defendido por CDU e BE; se durante a campanha estes três partidos se digladiaram verbalmente na linha tradicional que lhes conhecemos. O que importa é tentar encontrar uma frase, uma referência, algum sinal vital que permita salvar a face de Costa. Algo que, diga-se, não é difícil, conhecida que é a capacidade que o líder socialista exibiu nos últimos meses, de defender tudo, e o seu contrário. Já o jornal Público, esse, na tentativa de imitar outros media, que souberam inovar na elaboração de fact checkings, ficou-se por aquilo que já há muito nos habituou: confundir opinião, e coração, com jornalismo.