terça-feira, 29 de dezembro de 2015

o melhor livro que li em 2015







Jornal i#49- Os 3 presidenciáveis da(s) Esquerda(s)

A Esquerda, outrora unida no apoio à possibilidade de um governo socialista, apresenta-se às eleições presidenciais com múltiplos candidatos dos quais merecem destaque: “A Presidenta” - Marisa, “A Falsa Frágil” - Maria de Belém, “O Discriminador” - Sampaio da Nóvoa.

Começando por Marisa Matias, não se compreende a postura desta candidata que em tempos defendeu existir “feminismo a menos”. Não sei como Marisa quantifica ou mede o feminismo, mas a sua candidatura, provavelmente, não o terá em doses aceitáveis. Os seus cartazes audaciosos e quase sexy, em que a candidata se apresenta como uma espécie de Sara Sampaio da esquerda indígena, afirmando-se objeto de desejo, de esperança, ao lado de slogans curiosos como o caso de “uma por todos”, são a prova disso. 

Maria de Belém, nas próprias palavras uma “falsa frágil”, expressão com um nível de curiosidade semelhante a “falso lento” inúmeras vezes presente em relatos de partidas de futebol, apresenta uma candidatura cuja força reside no “carácter” e não no “caráter”, apelando ao voto daqueles que articulam a consoante ou dos que preferem o acordo ortográfico de 1945. Seria importante esclarecer aonde reside, afinal, a força de Belém: é que em questões deste teor já nos basta um Primeiro Ministro cuja articulação foge da ortografia como o diabo da cruz sempre que pronuncia “pugrama” em vez de “programa” e nem vamos entrar na questão da dicção. 

Por fim, Sampaio da Nóvoa, parece ter – poeticamente, é claro - proclamado que tudo no seu corpo era Minho e Norte numa atitude vergonhosamente discriminatória para com, por exemplo, as Beiras, Ribatejo ou mesmo o Alentejo e Algarve. Assim, sabemos que Nóvoa nunca será o Presidente de todos os portugueses, nem de toda a esquerda. Bom, a realidade é o que e, segundo as sondagens, nenhum dos 3 irá para Belém.

Hoje para o i:

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Jornal i#48 - Partido democrático muçulmano?

O leitor está lembrado de um livrinho, bastante incómodo para algumas almas mais “humanistas”, chamado “Submissão”, escrito por Michael Houellebecq? Em “Submissão”, o autor, ficcionava a pátria da “liberdade, igualdade e fraternidade” entregue, por via democrática, nos braços do islamismo graças à vitória presidencial de Mohammed Ben Abbes, fundador da Fraternidade Muçulmana.

Pois bem, a passos largos, a realidade tem vindo a aproximar-se da suposta ficção. Em 2012, em França, surgiu o Partido Democrático Muçulmano, que, por exemplo, já obteve mais votos que o Partido “os Verdes” e vai mesmo apresentar um candidato à presidência da república francesa, segundo os media franceses. Entre as suas bandeiras políticas encontra-se o ensino na língua árabe nas escolas, a defesa do sistema bancário islâmico, a obrigatoriedade da comida Halal nas escolas, a defesa do uso da burca em locais públicos e a defesa da poligamia. Em caso de vitória, “Submissão”, será afinal uma profecia do autor.

O livro de Houellebecq não contém nenhuma referência ofensiva ao islamismo é antes uma reflexão sobre a falta de “fé”, sobre o esgotamento religioso e espiritual da Europa, em linha com o conceito de “liquidez moderna” apregoado por Bauman. Não posso deixar de concordar com alguns vozes que atribuem as culpas a uma certa “ideia” de Europa pós-nacional que rejeita laços de pertença à nação e à religião. Uma Europa que renega a sua identidade judaico-cristã será, a breve prazo, uma Europa incapaz de se reconhecer em si própria.

Hoje, para o i.

a perspetiva de Rentes de Carvalho sobre o comunismo

No meio de tanto rebuliço sobre banca e governo (este e o anterior) para desanuviar um pouco os ares partilho aqui a perspetiva de um escritor português que tenho vindo a descobrir, primeiro o seu blog e, agora, um primeiro romance, Ernestina, do J. Rentes de Carvalho. Há uma passagem maravilhosa na qual a personagem principal relata a sua primeira (e julgo que única) relação com o comunismo, essa "abstração" que lhe foi apresentada por um tal de Camilo. Convém ter presente que a trama se desenrola durante a ditadura de Salazar:

"Quase no fim, e embora nunca tivesse dado conta disso, ele convenceu-me de que eu próprio era vítima do sistema. Bastava ver o modo como o reitor, exemplo típico do fascista brutalhão, tinha abusado da sua autoridade, castigando-me sem reunir o conselho disciplinar. Como se eu não tivesse direitos! Aliás, ficasse eu a saber que o estudante era um operário como qualquer outro, só que em vez de usar as mãos usava a cabeça. Por isso era nosso dever unirmo-nos às massas trabalhadoras e lutarmos juntos pela nova ordem social.


Meses a fio o Camilo iria entregar-me à socapa números do Avante e livros de doutrina marxista que deveriam ter andado por muitas mãos, pois vinham sempre amarrotados e sebentos. A minha obrigação era lê-los, discuti-los com ele, até ao dia em que, suficientemente instruído, pudesse entrar em contacto com os outros camaradas da célula.

Eu tentava ler, mas logo me aborrecia. Zola, Balsac, Dickens, Eça de Queiroz, eram infinitamente mais excitantes e a sua solidariedade com os oprimidos menos abstrata. Além disso, nascera avesso a doutrinas e dogmas. O padre da catequese tinha tentado, o professor de Moral tinha tentado, mas a minha reação instintiva fora sempre de rebeldia."

Ernestina, Rentes de Carvalho, 2009, p. 264 e 265.

Também publicado aqui.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Chet is around




e com uma crítica, ao que parece, ao tinder.

Jornal i #47 - O que quer o PCP?

Hoje, para o i:

A 7 de Dezembro, o Partido Comunista Português (PCP), suporte parlamentar do governo, expressou a sua “solidariedade” com os camaradas (socialistas e comunistas) venezuelanos porque, de acordo com os comunistas portugueses, o “processo revolucionário bolivariano e as suas históricas conquistas”, que “importante repercussão têm tido na América Latina”, foram interrompidos. Mas que processo revolucionário é esse e quais são as históricas conquistas que merecem tal manifestação de solidariedade do PCP?

Vejamos: a inflação disparou para taxas estapafúrdias, superiores a 150% ao ano; no início deste ano circularam vídeos ora de saques ora de filas para os supermercados; as prateleiras estão vazias, não há papel higiénico (e a justificação de tal escassez foi a alimentação excessiva dos venezuelanos, que se pode resumir num ditado popular demasiado grosseiro para citar nestes meandros), a água escasseia e os preservativos são bastante caros; nos bancos o limite de levantamento era de 13 euros; em 2013, tal era a escassez de carros no mercado automóvel que um carro usado custava três vezes o preço do mesmo carro novo; no ano passado foi proibida a compra de mais de cinco produtos na Zara por mês. Em termos políticos e sociais, Luis Manuel Díaz, secretário--geral do partido da oposição ao déspota Nicolas Maduro, Acção Democrática (AD), foi assassinado em Novembro deste ano; em Agosto foram executados cidadãos à luz do dia, isto para não dizer que a criminalidade é um estoiro. Mas, atenção, apesar de tudo isto, em 2013 o governo de Maduro criou um Vice-Ministério para a Felicidade Social.

Temos então o PCP a considerar uma conquista histórica a transformação da Venezuela numa espécie de segunda via cubana. Dito de outro modo, temos o PCP a manifestar simpatia pelo caminho que o socialismo, a par com a miséria, tem percorrido, nos últimos 15 anos, por terras venezuelanas. Tal facto seria considerado mera manifestação inconsequente de apego a um passado, não muito distante, em que o PCP via Portugal como uma espécie de Roménia lusófona; mas perigoso se torna se, depois de ter colado o pin do BE na lapela esquerda, António Costa desejar, a todo o custo, colocar também ao seu lado o pin do PCP. Nesse momento saberemos o que nos espera, mas não será por falta de aviso que nos vamos encontrar na fila para o papel higiénico.

domingo, 13 de dezembro de 2015

uma descrição literária de Youth

"Mas o pai morreu - aos 80 anos, embora parecesse mais velho - num fogo lento de raiva eficaz. Acontece no rosto de alguns homens a carne descair por falta de exercícios de expressão, o homem que sente por detrás da pele deixa de precisar de a usar.(...)"


J, Howard Jacobson, p. 57.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

num autocarro algures em Lisboa

O cenário idílico: um autocarro, ao final de um dia cinzentão, a atafulhar de gente. Uma mochila às costas, com cerca de 1000 kg no interior (um ligeiro exagero, note-se), num exigente jogo de equilíbrio entre corpos cansados (e alguns suados) que se abalançam uns contra os outros e contra o mundo, depois de um dia de trabalho, agarrada à barra superior pela minha débil mão esquerda, viro a cara para deixar cair os olhos (mas, juro, a minha vontade era deixar-lhe cair em cima a mochila) numa senhora que, depois de muito me pisar várias vezes e de me dar sucessivos encontrões, interrompe uma discussão pelo seu telemóvel com o "mor", abre a boca e balbucia: menina, está a magoar-me MUITO no braço. Ao que eu respondi, não sei bem com que forças, com a paciência equilibrada nas profundezas da minha bondade, estou a fazer os possíveis para me agarrar, minha senhora. Mas...  Fiquei-me pelo mas quando percebi que a indivídua nem sequer se dignou olhar para mim para ouvir a minha explicação (inexplicável a não ser pelas circunstâncias a que todos estávamos sujeitos) e continuou no seu exercício de refilanço com o "mor", muito mais importante, com toda a certeza do Mundo, do Além, alheio a todo o tipo de circunstancialismo. 

bis

ainda a propósito deste post,




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Jornal i #46 - Quanto sabe o Facebook sobre si?



Leio que “o Facebook (FB) é o site onde os europeus mais querem ser esquecidos”. Faz sentido sobretudo para os que conhecem Max Schrems que, em 2011, exigiu ao FB conhecer todos os dados recolhidos sobre si. Dois anos e uma batalha judicial mais tarde, o FB entregou-lhe 1200 páginas (!) contendo uma radiografia da sua actividade, dos seus gostos, das suas preferências, amizades, conversas, incluindo todas as localizações, computadores e gadgets em que acedeu ao FB.

Também a Google, à qual não mentimos e fazemos revelações mais íntimas do que à família, amigos ou mesmo ao padre, sabe se pensamos participar numa manif, se queremos fugir aos impostos, onde queremos jantar ou viajar, ou qual o cantor da moda que secretamente galamos. A Google é mais conhecedora que muitas possessivas e dedicadas esposas. Seguramente, sabe mais sobre mim do que eu, já que grava memória de tudo o que pesquisei desde sempre. E, se o leitor assistiu no YouTube a filmes menos recomendáveis, a Google sabe, e não se espante se, depois de uns minutos de visionamento furtivo, receber um sugestivo email propondo-lhe “enlarge your penis”. Tudo foi facilitado por uma política de “privacidade” implementada em 2012. E este “perfil” que a Google constrói sobre nós, com base nas interacções digitais a que tem acesso, é distinto da representação que apresenta a terceiros sempre que nos pesquisam – e é apenas aí que actua o “direito a ser esquecido”.

O tema é tratado como um problema de privacidade e de liberdade de expressão. Mas as implicações são também para a identidade pessoal, entendida como um processo dinâmico de (re)construção sobre o qual devemos ter controlo, se não absoluto, pelo menos parcial. Desse processo faz parte a possibilidade de, querendo, sermos diferentes de nós mesmos: de evoluirmos, de melhorarmos, de fazermos ruturas com algo na nossa personalidade passada, que decidimos alterar; ora, todas estas possibilidades da “memória digital” ilimitada ferem gravemente essa nossa esfera de domínio e controlo individuais. Afinal, quem quer ser recordado em 2015 que no ano 2000, a caminho do liceu, trauteava a letra de “Baby One More Time”?

Hoje, para o i.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Jornal i# 45 - Pais, crianças e Facebook: a infantilização dos adultos

"Primeiro perdemos o retrato. Esse, que os mais sortudos ainda admiram, pendurado na parede em casa dos avós, em tom sépia próprio dos anos 20 e 30, com famílias a banhos e todo o tempo do mundo disponível, numa pacatez e serenidade para lá da fotografia e do nosso tempo.

Depois, perdemos os álbuns de família, apenas apresentados a visitas em ocasiões que justificavam uma partilha dos momentos de intimidade, de comemoração, viagens a locais exóticos ou simples instantâneos da vida familiar. Mas a família mudou, tornou-se um “hábito indolente”, diz Agustina, e a existência dos álbuns sofreu alterações, tendo passado do suporte físico para o digital. Agora, o seu lugar é nas redes sociais onde se publicam fotos de todos, literalmente todos, os momentos da nossa vida, desde a ida ao forno comunitário da aldeia ancestral perdida na Beira Alta à visita aos fornos crematórios de Auschwitz-Birkenau. Tudo é passível de ser fotografado, publicado e partilhado. Ou está online ou não aconteceu, é o mantra dos tempos. 

Vem este texto a propósito da “infantilização de adultos”, um fenómeno que se verifica cada vez mais nas nossas “sociedades pós-modernas”. Este rótulo é aplicável a todos os pais que usam a internet e as redes sociais para documentar a evolução dos filhos (desde ecografias às várias transformações etárias), expondo-os voluntariamente a todo o tipo de depravados. A criança é entendida como um brinquedinho manipulado ao sabor dos pais, sendo mero instrumento de comunicação e sociabilidade nas redes. Juridicamente, existe um possível conflito entre a dignidade da pessoa humana e a “objectualização” da criança.

Foi isto que, em síntese, decidiu o Tribunal da Relação de Évora ao confirmar a proibição de um casal publicar fotos da filha. A tecnologia tomou conta de nós e da nossa axiologia, nesta sociedade da exposição que renuncia à peculiaridade das coisas, dos álbuns, dos retratos e até dos filhos."


Hoje, para o i.

avisos