terça-feira, 31 de maio de 2016

Jornal i #66 - Autoritarismo na "geringonça"

Hoje, para o i,

Internacionalmente as últimas semanas têm sido dominadas pela crise na Venezuela. Mas os sinais de tirania e de autoritarismo estão aqui, bem perto de nós. Começando pelo apelo do BE à autoridade do Governo para “pôr na ordem” os patrões dos estivadores.

Mas o que entende o BE por “ordem”? Será prisão? Será a promoção de um programa de reeducação dos patrões em prol do bem da Nação? Dias depois ficámos esclarecidos: a “mediação” do Governo contribuiu para um “acordo” que proíbe a contratação de mais trabalhadores. Tempos idos aqueles em que as pessoas sofriam tanto que, nos casos mais extremos, cantava-se “Grândola, vila morena” e a CGTP vinha para a rua defender o direito à greve. Hoje, o poder do esquadrão da esquerda permite apelos à ordem para combater a precariedade laboral.

Na Saúde, não sendo possível, por enquanto, o extermínio dos fumadores, o Estado tenta impor a ordem com imagens chocantes nos maços de tabaco: toda a gente saudável e sem vícios maus. Para o Estado o fumador não é autónomo, não pode escolher um modo de vida como, por lei, permite a maturidade da idade adulta. E por falar em maturidade, o BE quer legitimar as operações de mudança de sexo, alegadamente inócuas e aceitáveis, a partir dos 16 anos, sem exigir um relatório psicológico. O raciocínio é exemplar: “fumar prejudica-vos a saúde, mas se quiserem mudar de sexo antes de atingir a maioridade devem perseguir os vossos sonhos”.

Mas há mais: a comer uma embalagem de maltesers, o ministro da saúde anunciou que “toda a gente deve comer um pouco de tudo” ainda assim, o SNS (não o ministro, entenda-se) “deve dar o exemplo” pelo que serão retirados os alimentos prejudiciais para a saúde das máquinas de vendas automáticas dos hospitais e centros de saúde. Imagine-se então que uma criança de 16 anos pode ir ao hospital mudar de sexo, mas, além de não ir a conduzir (só aos 18), nem lhe ser permitido “festejar” com uma cervejola (só aos 18), também não pode comer um chocolatezinho enquanto espera pela operação. Tudo em nome do progresso, tão desprendido de coerência, tão desprendido de pormenores. Citando C.S Lewis, “de todas as tiranias, aquela exercida sinceramente em prol do bem das suas vítimas é talvez a mais opressiva”.

sábado, 28 de maio de 2016

No, they can't



Ninotchka (1939), Ernst Lubitsch


Da radicalização do PS: o exemplo dos contratos de associação

Ainda a propósito dos contratos de associação, a esquerda e o PS defendem de forma totaltária absoluta o critério da carência na rede pública, em certa área geográfica, para aferir a admissibilidade (ou não) das escolas com contrato de associação.* Esta postura do Governo pressupõe a supletividade do ensino particular e cooperativo em relação à escola pública e estatal. É curioso que, se recuarmos umas décadas no tempo, a 1979, às discussões parlamentares sobre a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79), encontramos uma proposta do PCP sobre – pasme-se! – a supletividade do ensino particular e cooperativo. Ora, essa proposta foi rejeitada pelo PS. E vale muito a pena ler a intervenção da deputada Teresa Ambrósio (PS) para esclarecer eventuais dúvidas sobre a aproximação do PS à extrema esquerda. É que, ao atribuir carácter absoluto ao critério da carência de escolas públicas e, por consequência, ao defender a supletividade do ensino particular e cooperativo, o PS aproximou-se significativamente do projecto de sistema nacional de ensino que o PCP propunha em 1979. A visão estatizante que, em tempos, o PCP defendia – e o PS recusava -, para a educação, está hoje a ser executada em pleno pelo atual Governo.

Aqui ficam algumas transcrições do debate que deve ser lido na íntegra:

“A Lei [de Bases do Ensino Particular e Cooperativo] integra-se assim dentro dos grandes princípios constitucionais e reconhece, por consequência, o papel da iniciativa de grupos de cidadãos na função educativa, que é uma função social, mas não necessariamente nem desejavelmente num Estado moderno socialmente justo e democrático, uma função exclusivamente estatizada.

(…)

Nós, socialistas, estamos atentos à aplicação justa desta Lei. Demonstrámos, defendendo-a tanto na oposição como quando estávamos no Governo – as leis para nós não são válidas por causa do Governo, mas sim por causa da sua correspondência aos interesses da Nação-, que não estamos agarrados a esquemas clássicos e conservadores de organização escolar, quer de direita, quer da esquerda, que apostamos na mudança de mentalidade e numa nova concepção de política educativa e de ensino. Os defensores da exclusividade da escola pública serão obrigados a ultrapassar concepções por vezes dogmáticas e estreitas no que diz respeito à riqueza potencial da iniciativa livre dos cidadãos para encarar uma política alargada de acordo com novas perspetiva de educação.“

Em relação à alterações ao diploma propostas pelo PCP , a deputada dizia:

“Atrás delas o PCP deseja camuflar aquilo que não quer afirmar abertamente e de cabeça levantada, isto é, a sua intolerância para com o ensino privado para não falar já da rejeição total deste tipo de ensino, o que cala muito mal na opinião pública, e especialmente a sua visão estreita, conservadora, apoiada num estatismo que impede a iniciativa livre de grupos de cidadãos nas tarefas nacionais de educação.

(…) Está bem patente esta concepção nas propostas de alteração que o PCP apresentou à última hora para votação, procurando limitar a aplicabilidade da Lei apenas àquelas escolas que, na sua estreita interpretação da Constituição, considera como supletivas, isto é, que deverão desaparecer quando a rede pública for ampliada. A aprovar tais aditamentos, então sim, a lei do PS, cujo projeto de sistema nacional de ensino não é o do PCP – fique claro de uma vez por todas –, teria sido, isso sim, radicalmente alterada. “

Um pouco mais adiante, numa discussão com o deputado do PCP Vital Moreira, António Reis (PS) explica a postura do PS em relação a este diploma:

“É que a posição aqui expressa pelo Partido Socialista tem uma grande virtude: significa que, aqui também, nos libertámos da colonização ideológica do Partido Comunista.

Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 24, p. 860 e ss., disponível aqui.

*Aliás, parece ser esse o argumento usado, amplamente divulgado num bizarro site esquerdista, para invocar a ilegalidade do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), publicado no Decreto-Lei n.º 152/2013, da lavra do anterior Governo PSD/CDS que, por seu turno, abdicou da carência enquanto critério de definição daqueles contratos.

Também publicado aqui.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

imagino-lhe o desespero

Recebido por mensagem num certo grupo no Facebook: "x e y, achei que iam gostar de saber que estava no meio da Bertrand e decidi ir ler a última página do Fiesta. Desatei às lágrimas."


Imagino-lhe o desespero; a constatação momentânea mas violenta de que a vida é mesmo assim, como reza o Fiesta:



"O motorista começou a subir a rua. Recostei-me. Brett chegou-se a mim. Íamos muito encostados. Passei-lhe o meu braço e ela descansou confortavelmente em mim. Estava muito calor e a luz era muita, e as casas eram violentamente brancas. Virámos para a Gran Via.

- Oh, Jake - disse Brett -, podíamos ter passado juntos uma vida bestialmente boa. 
À nossa frente, um polícia montado, de caqui, dirigia o tráfego. Levantou o bastão. O carro travou de repente, apertando Brett contra mim.
- Sim - disse eu. - Pois não é bonito pensar nisso?"

terça-feira, 24 de maio de 2016

Jornal i #65 - A liberdade religiosa e a contradição socialista


Hoje, para o i,

Por estes dias, além das vacas ministeriais que afinal voam e dos funcionários públicos que dançam no varão, a discussão pública dispersa-se entre os contratos de associação e o financiamento da Câmara Municipal de Lisboa à construção de uma mesquita, num debate que desvendou a visão esquizofrénica que o PS, muito bem socorrido pela geringonça, tem da relação do Estado com as confissões religiosas.

Em relação ao primeiro tema, entre outras coisas, argumenta-se que o Estado não deve financiar o ensino ministrado pela Igreja Católica porque vivemos num Estado laico e o Estado não se identifica com nenhuma confissão religiosa; por outro lado, a Constituição e a lei consagram a liberdade religiosa e a igualdade entre igrejas e comunidades, bem como o princípio da não confessionalidade do Estado. Em bom rigor, a postura inflexível e teimosa do governo socialista, amparada numa pretensa preocupação com a boa gestão das contas públicas contra a duplicação de oferta por privados, insinua uma simpatia pelo Estado laicista, no qual há uma verdadeira oposição do Estado à Igreja Católica, ou até mesmo pelo Estado ateu, historicamente ligado aos totalitarismos modernos, ao marxismo-leninismo e ao nacional-socialismo, casos em que, bem se vê, o Estado pretende ser total e visa conformar toda a sociedade, pelo que a religião não tem espaço.

Parece, contudo, óbvio que o Estado deve apoiar as religiões porque, simplesmente, deve garantir que os cidadãos exerçam os seus direitos. Portanto, não se deve assumir como um inimigo daquelas. E foi justamente este modelo de relação com a religião que António Costa adotou quando, ainda na autarquia de Lisboa, elegeu como prioridade um investimento de 3 milhões de euros na construção de uma mesquita que, além de obrigar à demolição de dois edifícios e ao desalojamento de moradores e comerciantes, sairá do bolso do contribuinte português, já que à comunidade muçulmana caberá apenas “fazer os acabamentos” (“Público”: 28/10/15). Parece, então, que a incongruência e a falta de rigor socialista não se limitam à contabilidade da despesa pública e às previsões económicas.

pois é







Blue Valentine (2010), Derek Cianfrance 


Pois é. 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

the Queen's speech in a nutshell

uma frase que resume bem uma visão para um país (não o nosso, infelizmente):

"My ministers will continue to bring the public finances under control so that Britain lives within its means, and to move to a higher wage and lower welfare economy where work is rewarded."

O discurso da rainha de Inglaterra, hoje, disponível aqui.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Jornal i #64 - Barrigas altruístas ou barrigas de aluguer?

Hoje, para o i,

Numa trágica sexta-feira 13, o parlamento aprovou um projeto de lei de iniciativa do BE sobre a “gestação de substituição”.

Todo o edifício legal aprovado assenta na natureza gratuita do negócio jurídico em causa. O diploma não deixa margem para dúvidas, proibindo “qualquer tipo de pagamento ou doação de qualquer bem ou quantia dos beneficiários à gestante de substituição”, esclarecendo ainda que “para evitar formas de pagamento dissimulado ou de chantagem sobre uma possível gestante de substituição (...) não é permitida a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição quando existir uma relação de subordinação económica, nomeadamente de natureza laboral ou de prestação de serviços, entre as partes envolvidas”.

Sendo gratuito, o regime jurídico proposto pelo BE assenta no altruísmo, boa vontade e generosidade de uma mulher que, durante nove meses da sua vida se dispõe, em prol da felicidade alheia, a suportar as “maleitas” que a condição implica: azia, enjoos, inchaços, indigestão, cãibras nas pernas, hemorroidas, dor de costas, entre outras. A mesma mulher que, nascida a criança, é obrigada, por força desta lei, a renunciar aos deveres próprios da maternidade mesmo que o contrato venha a ser declarado nulo, numa aberração jurídica que a instrumentaliza em favor dos “beneficiários”.

O mesmo BE que entende que o trabalho voluntário é uma “treta”, apenas tolerado num cenário idílico de pleno emprego, oferece-nos uma irónica instrumentalização do altruísmo que se deixa alugar para satisfazer uma egoísta obsessão pela filiação genética. Não obrigaria a coerência a que o BE só defendesse semelhante solução num cenário de inexistência de crianças institucionalizadas? A resposta é óbvia, mas a coerência - e, já agora, um diploma que pelo menos respeite uma decente construção jurídica, já que a ética pode ser votada - não é algo que os cândidos deputados, que receiam não ser vistos como progressistas, sejam capazes de exigir a um partido como o BE. Partido esse que nos ensina que há um altruísmo bom - o de uma mulher que gratuitamente se dispõe a instrumentalizar o seu corpo tendo como única recompensa a felicidade de outra mulher - e um altruísmo mau - aquele que é espontâneo, que não é imposto por lei e que não obriga a renunciar a um dever, dever esse que naturalmente, por força do parto, é um direito seu.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

amante de livros

"Entretanto entrara no meu gabinete e inspeccionava as estantes com curiosidade, não resistindo a passar a mão pelas lombadas dos livros e a endireita-los, como só um verdadeiro amante de livros tem o hábito de fazer" 

teresa veiga, uma aventura secreta do marquês de bradomín, p. 96

Jornal i #63 - Papéis do Panama: um caso de justicialismo jornalístico


Esta semana, para o i,

O jornalismo em Portugal tem uma oportunidade, até agora mal aproveitada, para se salvar. E não, não me refiro à postura corretíssima de José Rodrigues dos Santos, o mais recente alvo do bullying socialista, mas aos Papéis do Panamá. Mas salvar-se de quê? Não é da crise que o setor vive há vários anos: vendas em queda, leitores em fuga, internet, televisão, etc.; refiro-me aos desafios que organizações como a WikiLeaks, peritas em fugas de informação descontroladas, sem filtro ou códigos éticos, colocam ao jornalismo tradicional.

No início de abril estoirava a revelação sobre esquemas de crime e corrupção no mundo inteiro. A preguiça e a ingenuidade determinaram o primeiro alvo a abater: Vladimir Putin, o terrível. Bocejos? Sim, é caso para isso. Seguiu-se o presidente da Islândia, o envolvimento de David Cameron num esquema na empresa do pai, um ministro espanhol, jogadores da bola e realizadores de cinema.

Nas primeiras páginas e nos noticiários insinuaram-se nomes portugueses e avançaram-se acusações genéricas a políticos e jornalistas. Nomes? Rostos? Ricardo Salgado, com certeza. José Sócrates, obviamente. Bocejos, bocejos, bocejos. Rios de tinta correram sobre as tramoias entre bancos e “grandes escritórios de advogados”, sobre os malefícios do capitalismo global, convenientemente esquecendo que na origem do problema está uma fuga de informação ilegal e, provavelmente, criminosa. Rapidamente surgiram os primeiros pedidos de desculpas às vítimas deste processo justicialista criterioso: Alexandre Relvas, Filipe de Botton e Carlos Monteiro. Quanto aos nomes de jornalistas, o crivo do corporativismo, imune a códigos éticos, aquele que Julian Assange rejeita, tem sido habilmente aplicado. Crivo esse que seria facilmente abalado com uma fuga de informação ao estilo Papéis do Panamá.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

benedita

há 20 anos, numa família um bocadinho "excêntrica", nasceu de forma inesperada (a excentricidade é naquela justa medida que torna o nascimento de uma criança num acontecimento inesperado para todos menos para a mãe) um pequeno e delicioso bebe com um estatuto genealógico em relação a mim muito especial: não era minha irmã - apesar de eu ter 7 anos -, nem minha filha - porque eu tinha 7 anos! - mas o tempo ocupou-se de a transformar nas duas coisas. Não me lembro de tudo naquela dia, mas não me esqueço das palavras do meu irmão mais velho: "parece que vais ser tia". Tinha nascido a Benedita.

102

ontem fomos a Miramar comemorar os 102 anos da minha avó. cheguei, esticou os braços longos à volta do meu pescoço, mostrou-me os versos de pé quebrado que escreveu e o livro que anda a ler, "A primeira aldeia global", do Martin Page. Uma herança muito valiosa que carrego dentro de mim.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Jornal i #62: Portugal Uber Allez

Ontem, para o i

“Taxista ataca um carro em Campanhã”, leio no “JN”. Explica o agredido que, se não tivesse corrido, o tinham “desfeito”. “Registados 71 casos de agressões a condutores da Uber”, denuncia o “Público”. O tradicional estilo socialista de atirar dinheiro para cima dos problemas voltou a falhar: 17 milhões de euros que o governo tinha garantido para “modernizar o setor dos táxis”, esse que se manifestou, massivamente, desta forma tão violenta e desregrada, agredindo viaturas, motoristas e passageiros, ao som de uma adaptação blasfema dos Gipsy Kings. Imagina, caro leitor, as medidas pífias de “modernização” de algumas figuras patuscas que durante aquele dia foram prestando declarações? A mancebia do PCP apadrinha os protestos e, findo o espetáculo, Ferro Rodrigues abre-lhes a porta do parlamento, Fernando Medina recebe-os na Câmara e o governo, criatura afinal salvífica, cria um grupo de trabalho para estudar o assunto.

Uns dias antes, as redes sociais chocavam-se com a agressão a Mustafá, o curdo que se defendeu com uma faca de cortar kebab. Mustafá, que paga impostos, que desconta para a Segurança Social. Que apenas deseja tranquilidade, segurança, uma vida normal; que defende o que é seu e faz pela vida. Reivindica o seu sossego e o seu trabalho, sem um sindicato que, aos berros e em “manifs”, o proteja.

Entretanto, suspeita-se que a austeridade não vai acabar, que o governo tem planos secretos, que a troika pode voltar, e esta primavera, por estes dias quente e ensolarada, parece um ambiente perfeito para uma desgraça num conto errante, daqueles em que chove quando a personagem principal, um néscio sem esperança de reabilitação, está mal, muito mal, de amores. Uma primavera acompanhada por um desagradável sentimento de déjà-vu.