quinta-feira, 28 de julho de 2016

pretending he was whole

Segui a dica de um amigo e vi Dark Eyes (1987), de Nikita Mikhalov.  Mikhalov explora muito bem a nostalgia daquilo que faz parte do passado, a amargura de um tempo que agora é longe, que é nunca mais, que não pode ser recuperado. Por outro lado, o impacto de Mastroianni, com os olhos pisados, uma ruga aqui e outra ali, os gestos meios tolhidos, um abatimento natural daqueles que, em tempos, foram gladiadores, sentado numa mesa, a recordar, entre lágrimas e gargalhadas, os desencontros da sua vida amorosa, a olhar para o passado para compreender o seu presente, é verdadeiramente devastador. Mas a faceta estroina e apalhaçada da personagem de Romano (Mastroianni) e a perspetiva de Elisa, sua mulher, levou-me até esta cena de Brisdeshead Revisited (a série, a verdadeira, de 1981, com Jeremy Irons), onde Julia se recorda do marido, Rex, referindo-se-lhe desta forma: "a tinny bit of a man, pretending he was whole". Para direitistas melancólicos não há como o Brideshead.



segunda-feira, 25 de julho de 2016

tudo aquilo que deve ser dito

"I pay special tribute to my wonderful husband, who has supported me in my daily struggle to fulfill this academic ambition. He has never questioned my anxieties and frustrations, and has been my rock through the entire process. He has also reminded me every day, as I faced the uncertainty of whether I would ever actually finish this work, to keep up my passion and my spirit because these are the things that matter most in this life." 


Legal Implication of Data Mining, Assessing the European Union's Data Protection Principles in Light of the United States Government's National Intelligence Data Mining Practices, Liane Colonna, p. 6, 2016.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

who cares?

Creio que nunca nenhum filme me chocou como o Irreversível (2002). A memória da Monica Bellucci, naquela passagem subterrânea, deitada no chão, violada, atordoada, ainda me apoquenta. Por isso, se o objetivo de Love, de Gaspar Noe, era bater o seu próprio record em relação ao choque, falhou redondamente no meu caso. Naturalmente, não creio ter sido essa a sua intenção.

O que menos gostei em Love nem foram as cenas sexuais, filmadas de modo "despreocupado", para captar  "a vida real", imunes a qualquer maquilhagem estética (e depilatória), algo muito presente na série Girls, como a própria Lena Dunham explicou exaustivamente. E até compreendo que uns pares de mamas e uns pénis particularmente destacados, ainda que de forma grotesca e inestética, mereçam as comendas de Cannes. O que não gosto (estou farta) é do tipo de ambiente que é filmado, sonhado por  muitos jovens que idealizam a boémia da pós modernidade, muito urban trashy, com duas personagens cool, dois "artistas", seja lá o que isso for sendo certo que inclui muitas drogas e muito sexo. Um deles, Murphy, vive um presente atormentado pela sua, e apenas sua, culpa de várias traições à sua amada Electra, tendo um desses pequenos deslizes levado ao fim da sua relação. Murphy é uma personagem que apenas se expressa verdadeiramente em diálogos bastante ridículos, como aquele, retirado do diário de um puto de 16 anos, em que pergunta a Electra qual é o sentido da vida.

Acompanhamos um casal de jovens deslavados (exceto nalgumas cenas em que Electra aparece com uma gola alta vermelha, o cabelo apanhado, mais aprumada e arranjadinha) a consumir drogas e a fazer sexo, a torto e a direito, aqui e ali, em sítios porcos, corredores sinistros e casas de banho imundas, com uns e com outros, numa vida que vai fluindo sem grandes problemas mas com a certeza e a vontade de ter um filho. O nome do menino, Gaspar, é escolhido depois de mais uma sessão selvagem de sexo e drogas.

Talvez sejam comparáveis, os mais entendidos dirão, mas fazem falta os olhos de Eva Green e a elegância de Garrel, d' Os Sonhadorese a excentricidade artística (essa sim, tão bem caracterizada e interpretada) de Jemima Kirke, em Girls. Depois, para um filme tão preocupado com a realidade do amor (ou do sexo) não resiste a explorar, ainda que en passant, mais um cliché, retratando o casamento (ou a vida em conjunto, whatever) e o nascimento do primeiro filho como uma fase da vida exclusivamente infeliz, trágica, de isolamento.  Fica a impressão de que só o passado de experiências, drogas, sexo, paixão desnorteada e traições, é bom, alegre, feliz e fonte de amor. 

Enfim, como disse um amigo, "sexo em 2016, francamente, who cares"?



Jornal i #73 - E agora, Europa?

Esta semana, para o i,

No pós-guerra, a meio do século passado, uma série de líderes europeus sonharam com uma Europa unida, consolidada numa dada moldura institucional, que iria proteger os seus povos das ameaças endógenas de uma História feita de conflitos.

Num mundo eurocêntrico, o “projeto europeu” tinha o seu sentido, a despeito das divergências ideológicas que podemos ou não ter em relação ao modelo do Estado de Bem-Estar que lhe subjazia. Em 1960, o planeta atingiu a mítica marca dos 3 mil milhões de habitantes. Hoje, estamos próximos dos 7 mil milhões - feito da pujança de zonas geográficas que nos são alheias. O mundo deixou há muito de ser eurocêntrico, para ser global, e a marca de cosmopolitismo da Europa, naquilo que ainda possuímos, cada vez menos inspira outros povos. Fechada sobre si própria, a Europa Unida tem vindo a perder relevância, e capacidade de se projetar no mundo. A sua moldura institucional e legal é mais burocrática do que democrática, e os seus valores formais e politicamente corretos, e cada vez menos, substantivamente éticos. Não surpreende por isso que o Reino Unido tenha optado por seguir o seu caminho, e que o ceticismo domine os cidadãos europeus, mesmo aqueles que gostariam de prosseguir um caminho de maior integração. Virada sobre si própria, sem diálogo com o mundo, a Europa é palco de ódio e de incompreensão, vítima de terrorismo, crescentemente capturada pelas suas periferias onde domina a barbárie e a pré-modernidade. Tão preocupados que estávamos em evitar os conflitos europeus, esquecemos que perto de nós havia povos e espaços culturais e económicos para enriquecer, que no vazio, hoje, nos asfixiam. 

Sejamos sinceros, todos sabemos que esta União Europeia não é saudável, nem responde aos desafios que os povos europeus hoje enfrentam. O sonho dos pais da Europa é hoje o nosso pesadelo. A Europa, ou se reforma, ou continuará a perder relevância, refém do imobilismo, do pessimismo, e de um devir mundial que não irá parar à espera que encontremos os nossos rumos.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Jornal i #72 - A ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs

Hoje para o i,

A semana passada, a reflexão patriótico-futebolista foi interrompida pela notícia da nova contratação da Goldman Sachs (GS): Durão Barroso (DB).

As reações fizeram-se sentir de imediato: a GS ajudou, em 2001, a mascarar as contas gregas para o cumprimento do Tratado de Maastricht; DB abandonou a pátria para ir para a Comissão Europeia (CE); ou até o já habitual argumento da promiscuidade entre finanças e política, curiosamente defendido por aqueles que propõem mais interferência do Estado na economia. O PS acusou DB de ter sido presidente da CE “nos piores anos do projeto europeu” - o que é diferente de acusar DB de ter sido o pior presidente da CE. No pot-pourri das indignações faltou uma apreciação objetiva e racional do trabalho, de 35 anos de vida pública de DB, sem condenações perpétuas e livre de preconceitos esquerdistas e puristas. Em 2001, DB nada tinha que ver com a GS nem com a CE, e nem tinha sido primeiro-ministro. Será razoável avaliar a sua decisão de hoje com base numa relação de ontem da GS e, convém dizê-lo, do governo grego, da qual não foi parte? Não creio. Já a “traição” de DB a Portugal recebeu a aprovação de Jorge Sampaio, então Presidente da República, e dos órgãos nacionais do PSD.

É lamentável que alguma esquerda - sobretudo a que não conhece independência da máquina sindical e de interesses corporativos - não compreenda uma decisão profissional e saudável de quem abandona a política para trabalhar no setor privado. Fico satisfeita que o nosso país não seja só de futebolistas nem de políticos que vivem à custa de pensões vitalícias. A ida de DB para a GS, um banco mundial e tão influente, é tão relevante quanto a candidatura de António Guterres à ONU.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Jornal i #71 - E a Venezuela? Não é "inamistosa"?

Hoje, para o i:


Neste delicadíssimo período de entusiasmo, união e reflexão patriótico-futeboleira sobre a “seleção de todos nós”, o assassinato de Carlos Gouveia foi praticamente um rodapé nos órgãos de comunicação social. O comerciante de 42 anos, radicado na Venezuela e desaparecido desde o dia 23 de maio, foi encontrado decapitado e sem mãos. Segundo o jornal i, este é o segundo português assassinado no paraíso do chavismo nas últimas duas semanas.

Não houve qualquer manifestação de solidariedade para com a família de Carlos Gouveia - nem uma só vela na porta da embaixada da Venezuela. As notícias foram praticamente inexistentes. Há mortes mais convenientes do que outras, e a indignação um estado de alma que tem de alinhar com o pensamento dominante: os nossos jornalistas estão maioritariamente mobilizados para cobrir as indignações do momento, tudo o que diga respeito ao Brexit, à falta de atitude do nosso Ronaldo, às frases do senhor Schäuble ou até ao policiamento partidário, como o que me foi generosamente oferecido pelo jornal “Expresso”, que me dedicou amplo espaço, fazendo “notícias” de criterioso copy/paste de opiniões como esta - sem, contudo, enviar o cheque pelos direitos de autor. Tanto mimo esgotou as linhas que poderiam servir para noticiar aquilo a que se assiste na Venezuela. Regista-se o critério jornalístico. Já aos nossos políticos - como aqui disse na semana passada - não sobra tempo, entre as várias deslocações, beijinhos e selfies, para de uma forma firme e sólida protestar e censurar o caos instalado na Venezuela, que põe em risco a vida dos muitos emigrantes portugueses que ali residem. Ficamos com a dúvida se a distração é genuína ou tática, não vá desagradar-se a PCP e BE, que não gostariam de ver a embaixada venezuelana a ser declarada “inamistosa”. Tão-pouco alguém aponta a dualidade de critérios: à rapidez com que o PS e o Bloco correram a pedir no parlamento uma condenação de um tribunal soberano de um país estrangeiro contrapõe-se um silêncio cúmplice em relação ao regime político de Maduro, que prende e mata sem pudor os seus opositores.

A situação na Venezuela, onde vivem centenas de milhares de portugueses, é extremamente grave e exigiria uma postura mais firme do nosso governo, sobretudo depois do assassinato de mais um português. Terei sido a única a ouvir António Costa prometer resolver os problemas dos emigrantes durante as comemorações do Dia de Portugal em Paris?

isto