“Devemos ficar longe da Síria”, escreveu Trump no Twitter em 2013, como reação à decisão do presidente Obama de apoiar diretamente os rebeldes sírios na sequência de um ataque com armas químicas por parte do governo do país.
Nos anos seguintes, e mesmo durante a sua campanha presidencial, Trump foi sempre claro e assertivo na defesa de uma linha não intervencionista face ao conflito da Síria.
Sobre a China, durante vários anos, o atual presidente americano desenvolveu uma retórica de denúncia do que ele considera ser a posição agressiva da potência asiática no comércio internacional, levantando suspeitas – factualmente exageradas – sobre a forma como supostamente o Estado chinês promove a manipulação da moeda e um significativo défice comercial com os EUA que ele quererá, supostamente, ver ultrapassado.
Mas a pressão sobre a China não se esgota nas questões comerciais. Dias antes do encontro com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, Trump foi claro: “Se a China não resolver os problemas provocados pela Coreia do Norte, então os EUA irão resolvê-los sozinhos.”
Nenhuma destas declarações afastou Xi Jinping, que marcou presença, não em Washington DC, mas em Mar-a-Lago, o clube privado, pertença da família Trump, situado em Palm Beach, na Florida, nem inibiu uma intervenção norte-americana na Síria, com uma série de bombardeamentos que surpreenderam o mundo – incluindo a Rússia, que nos últimos anos, perante as indecisões de Obama, foi assumindo um papel hegemónico na região, não apenas na Síria, mas também, recentemente, na Líbia. Na verdade, existem rumores de que a Rússia poderá estar a apoiar o denominado governo da Câmara de Representantes da Líbia, liderado por Khalifa Haftar, que domina a zona leste do país e que nas últimas semanas foi bem-sucedido na tomada de Ras Lanuf, Sidra e Ben Jawad, áreas ricas em petróleo.
Os ataques na Líbia surgem numa altura em que Putin enfrenta uma elevada contestação interna. Numa altura em que a Rússia vive o terceiro ano de uma grave recessão económica, os protestos agudizam-se. No passado dia 26 de março, a polícia russa deteve mais de 700 manifestantes que participavam num protesto contra a corrupção no país e que juntou milhares de pessoas no centro de Moscovo. Apesar da tentativa de minimizar o impacto mediático das manifestações, elas têm tido significativa repercussão, em especial porque um dos principais alvos será o primeiro-ministro, Medvedev, acusado de deter uma significativa fortuna secreta.
A dúvida que paira hoje é se as decisões de Trump são motivadas por um espírito incoerente e impulsivo ou se, pelo contrário, a sua imprevisibilidade resulta de uma forte capacidade de ler a realidade e de uma significativa adesão à Realpolitik. Certo é que, na mesma semana, e ignorando o lado folclórico das declarações inflamadas com que inunda o Twitter, Trump beneficiou dos sorrisos do presidente da China e mostrou ao mundo que não se deixa limitar pelas aspirações russas que, perante a evidência dos ataques americanos, ficaram sem qualquer reação. Ficamos a saber, em qualquer caso, que longe vão os tempos em que a política americana em relação à Síria era definida por Vladimir Putin, como ocorreu em 11 de setembro de 2013, quando este escreveu a famosa crónica “A Plea for Caution From Russia”, explicando com pormenor porque entendia não ser do interesse americano uma intervenção na Síria.
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