Nos últimos dias a comunicação social deu nota de um novo pânico social que, vindo ao que parece da Rússia, tem vindo a trilhar caminho pela Europa tendo chegado já ao Brasil: o jogo da “baleia azul”. Tudo começa (where else?) no Facebook ou no WhatsApp, numa troca de mensagens com um “curador”, que desencadeia uma sequência de desafios lançados diariamente para instigar os jogadores - maioritariamente adolescentes - à automutilação e, na fase final, a cometer suicídio. Ainda não há nenhum caso confirmado de suicídio, mas as forças policiais de vários países estão já a investigar algumas suspeitas e os alertas nas redes sociais feitos pelas autoridades multiplicam-se. O que é verdadeiramente extraordinário neste jogo é o controlo à distância, a obediência cega e religiosa, aos comandos de uma autoridade desconhecida, sem rosto, digital, que, intermediada pela tecnologia, assume o controlo mental (e real) da vida dos jogadores.
O “i” noticiava que o filme “Nerve” teria inspirado a “baleia azul”, mas o pior resultado desta forma de manipulação da vida real foi filmado por Charles Brooker no episódio “Shut up and Dance”, da série “Black Mirror”. Trata-se de uma verdadeira master class sobre a perda de controlo das nossas vidas que nasce de um cruzamento trágico entre a tecnologia e os segredos e as fraquezas humanas. A personagem principal é um jovem (Kenny) que, trabalha e estuda; não lhe conhecemos malícia nem comportamentos reprováveis; certo dia, inadvertidamente, a irmã descarrega malware para o seu computador. Kenny não sabe mas, do “outro lado”, alguém o espia recolhendo imagens na câmara do seu portátil enquanto o jovem se masturba. Imediatamente depois, recebe um email com uma ameaça de chantagem: o filme será enviado à mãe, amigos e colegas de trabalho, a menos que Kenny cumpra uma série de instruções. Ao longo do episódio vamos conhecendo casos semelhantes, entre eles o de um indivíduo, casado e com filhos, que visita com frequência sites de pornografia infantil. Procurando puni-las pelos seus segredos e fraquezas confessados, inadvertidamente, diante de um ecrã, um hacker chantageia os vigiados, enviando-lhe instruções por mensagens e emails e incitando-os a cometer crimes, como o assalto a um banco ou o homicídio. O último desafio é lutar até à morte com outra vítima, enquanto um drone filma a cena.
A identidade do hacker nunca é conhecida e, ao que parece, esta dark force é metaforicamente a tecnologia em si mesma, transformada num enorme motor de vingança e de justiça vigilante para punir os pecadores entre nós. Mas, tal como acontece noutros episódios, a tecnologia não é a origem da ruína humana, são os próprios, as suas ações e comportamentos e, sobretudo, uma aceitação acrítica, irrefletida e irresponsável (uns dirão desinformada) das circunstâncias e das consequências da utilização da tecnologia, seja um computador, seja um telemóvel. Alguns leitores saberão que o fundador do Facebook utiliza uma mola para tapar a câmara do seu computador, como saberão também que a CIA é capaz de entrar nas nossas “smart TV’s”, “mas será mesmo assim?”, perguntam os mais incautos. Quanto a estes, o mesmo ceticismo e a mesma dúvida terão despertado aquando do relato desta notícia, mas ela é a prova de que é cada vez mais realista e menos fantasioso um tema há muito tratado pelos neoludistas: o receio de vigilância, de controlo (individual ou social) e de punição, seja pelo Estado seja por terceiros, intermediado pela tecnologia, da qual cada vez mais dependemos.
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