O meu texto desta semana para o i,
Portugal não precisa de políticos rendidos a esta lamentável cultura de afetos, mas de líderes que sejam capazes de, sóbria e esclarecidamente, tomarem as decisões difíceis que a situação do país e do mundo exige
A democracia fundamenta-se na escolha dos cidadãos; o Estado de direito, na separação de poderes. O que dá consistência e progresso a uma comunidade é a força das suas instituições - económicas, políticas e judiciais -, privadas e públicas, e a autonomia dos seus cidadãos para fazerem escolhas não condicionadas e livres. A ambição máxima de uma sociedade estruturada é que a gestão da coisa pública se institucionalize nestes dois pilares e não domine o espaço comunicacional até à náusea.
Esse espaço, em Portugal, está longe de ser o expoente de uma sociedade saudável e madura, vivendo antes dominado pelo culto de personalidades presentes ininterruptamente, quais santos elevados num altar. Os nossos políticos, em vez de se dedicarem ao exercício dos seus cargos, procuram diariamente o carinho do povo, numa doentia - e cansativa - magistratura da ubiquidade. O populismo é isso: a tentação dos políticos de deturparem o equilíbrio institucional procurando, numa cultura de afetos, o apoio permanente do povo para legitimar toda e qualquer ação que os ajude a perpetuarem-se no poder. Como se fossem concorrentes de um reality show, na mesma semana, Presidente da República (PR) e primeiro-ministro (PM) dividiram-se entre jogos de futebol e marteladas de S. João. Não que a comparência nestes eventos não faça parte da “festa da democracia”: já as escolhas que lhes estão subjacentes são altamente discutíveis. O PM, por estar supostamente no Porto, faltou a um importante debate parlamentar; já o PR deu sinal de que não há espaço que não ocupe e faça seu, ao comparecer na flash interview, local reservado aos intervenientes num jogo de futebol, mostrando que todo o espaço de protagonismo lhe pertence, desde que o deseje. Pelo andar da carruagem, não se espantem se virmos o comandante supremo das Forças Armadas no banco da seleção, a instruir o treinador na tática vitoriosa. Com tanta omnipresença e apelo ao carinho, é seguro que ao prof. Marcelo a história vai reservar o cognome de Querido Líder.
Portugal não precisa de políticos rendidos a esta lamentável cultura de afetos, mas de líderes que sejam capazes de, sóbria e esclarecidamente, tomarem as decisões difíceis que a situação do país e do mundo exige. As gerações mais novas, como a minha, dispensam o clima festivo e a presença permanente dos políticos no espaço público, e o estilo bolivariano que os acompanha. Não precisamos dos afetos dos políticos nem da sua irritante presença diária em todos os espaços que frequentamos - incluindo os mediáticos e os lugares vagos do nosso sofá. Se fosse para isto, tínhamos votado na Teresa Guilherme. Líderes procuram-se: é que amigos para beijar e opinadores de bola, é coisa que não nos falta.
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