De facto, este início de 2017 já leva consigo várias personalidades nacionais e internacionais. Além de Mário Soares, a Europa perdeu Zygmunt Bauman. O sociólogo polaco, sempre preocupado em escrever para as pessoas comuns e, por isso, fugindo a uma linguagem hermética, é o autor da “modernidade líquida”, uma fórmula para diagnosticar a realidade contemporânea.
A “liquidez” - expressão que carrega uma carga conceptual de tal modo ampla que foi até aplicada por Paulo Cunha e Silva para pensar o Porto, cidade “líquida” - é, em Bauman, o conceito-chave para a crítica às várias “formas da vida moderna”: das relações amorosas às instituições sociais e políticas, o sociólogo aponta-lhes fragilidade e enuncia a sua natureza descartável, e, sobretudo, a sua vulnerabilidade à mudança, fonte de inquietantes incertezas. Considerar Bauman um “pessimista” é, no mínimo, redutor. Aliás, o próprio o rejeitava.
Os temas abordados na sua vasta obra são bastante variados (Holocausto, globalização, sociedade de consumo, amor, comunidade, individualidade), mas o aspeto em comum é uma intenção de salientar um dever ser (não jurídico), uma dimensão (e reflexão) moral ou ética que deveria nortear tudo o que respeita à condição humana, dimensão essa castrada ou “abafada” pelo triunfo do racionalismo e pelo individualismo enraizados na modernidade. Por isso, o seu diagnóstico incide sobretudo na condição moral da pós-modernidade.
Tal como sucede com outros gurus da pós- -modernidade, a sua reflexão crítica sobre a modernidade e os seus fracassos e a nostalgia em relação a outros tempos, “pré- -modernos”, são profundamente inconsequentes diante de todo o legado institucional que o homem foi conquistando, incluindo conquistas civilizacionais (e até morais) permitidas pela ciência e pela razão, motores de desenvolvimento da humanidade.
Por outro lado, a grelha teórica pós-moderna de Bauman conduz a um certo relativismo que acaba por refletir a “liquidez” pelo próprio diagnosticada. Depois, acrescentar ao predicado pós “moderno” significa reconhecer a existência de uma rutura com uma outra realidade ou temporalidade, diferente e anterior e, ao mesmo tempo, anuncia uma alternativa sistemática e coerente de ideias correspondentes a um outro modo de ser e de viver. O que, de resto, não acontece. A pós-modernidade continua a ser apenas um rótulo para um conjunto de ideias e noções definidas, quase acriticamente, por mera oposição ao que é moderno.
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