A comoção com “Moonlight”, a longa-metragem de Barry Jenkins com 8 nomeações para os óscares, tem sido geral. Não sou exceção. Não sei do que gostei mais: se das belíssimas imagens, da banda sonora ou da história. Baseada no texto não publicado “In Moonlight Black Boys Look Blue”, de Tarell Alvin McCraney, um autor que cresceu em Miami, no bairro de Liberty City, onde o filme se desenvolve, a narrativa centra-se numa personagem, Chiron - pobre, negro, homossexual, criado por uma mãe (Naome Harris) que luta contra um vício de crack -, ao longo de três fases diferentes da sua vida. Se Chiron representa o violento “way of life” dos afro- -americanos que vivem marginalizados nos subúrbios das metrópoles americanas, também é verdade que a marginalidade de Chiron é existencial. A sua alienação manifesta-se, logo em menino, num rosto vincado, um olhar sério e desconfiado, uma postura frágil, de temor e de hipervigilância, de quem desde criança se viu obrigado a defender-se de tudo e de todos. Retraído, pouco sorridente, o espetador quase não o vê brincar, o que facilmente se compreende como inevitável naquela dolorosa experiência de vida. A empatia com Chiron é talvez o ponto mais forte do filme, em muito devida à intensidade notável da representação dos três atores escolhidos para cada uma das fases retratadas.
Tem-se dito que este é um filme dos nossos tempos - “trumpianos”, entenda-se. Não concordo. O filme de Jenkins desenvolve-se como um episódio da segunda melhor série de sempre: “The Wire” (quanto a mim, “Os Sopranos” está no topo da hierarquia). Está certo quem diz que “Moonlight” se aproxima de uma recriação lírica de um episódio de “The Wire” realizado pela francesa Claire Denis, uma das referências de Jenkins. É que acompanhar a história de Chiron é relembrar os “boys of summer” em todas aquelas crianças de West Baltimore. Assistir à quarta temporada de “The Wire” é como testemunhar um acidente de comboio em câmara lenta: desde o início sabemos que Dukie, Randy, Namond, Michael serão “corner boys” e, mais cedo ou mais tarde, absorvidos pelo mundo implacável que os rodeia. Quando chega esse momento - algo a que somos poupados em “Moonlight” -, o estrondo é devastador. Quem esquece aquela mítica cena final do episódio 11 entre Randy, que acaba de perder a mãe, e o detetive Carver? Eu não.
Correndo o risco de elaborar uma generalização simplificada ou uma categorização pueril, “The Wire” é, tal como “Moonlight”, uma saga sobre a afirmação da individualidade, um documentário sobre a luta por um lugar no mundo, por uma identidade, por um projeto de felicidade, por uma vida diferente das circunstâncias de pobreza, corrupção, droga e violência que envolvem aquelas crianças.
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