"Passados
alguns anos, os dois amigos cruzam-se. Não se viam há bastante tempo e muito
tinha mudado. A aproximação foi cautelosa e cuidada, sem grandes exaltações.
Observaram-se e analisaram-se, calados e baços, rasgando um tímido sorriso, um
comentário mortiço e pouco entusiástico. Depois da demissão, Yanis instalou-se
em Sydney, longe de Atenas. Pago a peso de ouro para tirar partido dos
interstícios do capitalismo, enquanto homem das finanças que ganha dinheiro à
custa dos pobres. Era um homem diferente: apostava contra a dívida grega e
ganhava milhões. Já nem se preocupava em corrigir os modos burgueses e usava
uma gravata cuja cor do dia seguinte era facilmente previsível, até para um
olho mais aluado. Esquecera a ideia de que qualquer coisa que venha do povo é
boa.
Como
tantos outros homens de esquerda, Alexis, obrigado a ceder à ditadura da
austeridade, abdicara do risco, da tragédia, do melodrama e, apostado na
ponderação, dedicava-se hoje a causas menores, embora nem por isso menos
compensadoras, como os direitos dos animais e das florzinhas que hoje ocupam o
lugar político anteriormente preenchido pela classe operária. Tsipras já não
queria mudar o mundo, mas terminara uma tese de doutoramento que fazia dele um
perito e o obrigou a abandonar a liderança do partido.
O
promissor e revolucionário Syriza, funesto para a Grécia, ficou sem a sua
sedutora ideologia, varrida por uma brisa fresca que levou para longe a
bruxaria e o fanatismo que se agarravam aos seus militantes como um miasma,
levando também consigo o torpe ano de 2015. Tudo desertou, ficou apenas o palco
vazio de uma ideia e de uma Grécia que não existiu. Nem existirá."
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