Dias após Donald Trump ter sofrido um significativo revés, com a divulgação de uma conversa mantida com um dos membros do clã Bush onde a marca machista do candidato republicano nos foi oferecida sem pudor nem filtro, a campanha para as eleições norte-americanas continua a dar-nos a oportunidade de olhar pelo buraco da fechadura para espreitar os pormenores mais sórdidos daquilo que é a dimensão comportamental dos candidatos. Esta semana é a candidata democrata que está na berlinda, após o anúncio de que o FBI terá decidido reabrir uma investigação, supostamente encerrada em julho deste ano, ao uso indevido de emails por parte de Hillary. Há que ter presente que aquilo que James Comey, diretor do FBI, decidiu, é completamente inédito: a dez dias das eleições, reabriu uma investigação a uma candidata nomeada pelo Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos da América (EUA). O caso, recorde-se, gira em torno de um endereço de email de Clinton que, enquanto secretária de Estado, utilizou um servidor privado instalado em sua casa em vez de um endereço do governo, expondo à pirataria a confidencialidade de assuntos de Estado e de segredos da diplomacia americana.
Não é fácil prever qual o impacto que esta decisão pode ter no desfecho eleitoral. Comey já deu nota de que o calendário eleitoral não vai marcar o ritmo da investigação e que não tem a certeza de quanto tempo irá demorar a revisão adicional do caso, indicando que não haverá uma clarificação antes do momento da eleição. Trump e os seus apoiantes têm aproveitado a ocasião para enfatizar aquela que é a sua principal mensagem, que a sua batalha é contra os poderosos e corruptos. O debate eleitoral há muito que deixou de ser ideológico para se tornar identitário, e a campanha republicana joga tudo na tentativa de criar em redor de Trump uma coligação dos descamisados da América, dos defensores do orgulho americano contra o mal e os poderosos, corporizados em Clinton e nas diversas administrações democratas, de Bill Clinton e Obama, de que ela será a herdeira. As sondagens continuam a dar ligeira vantagem à candidata democrata e o esforço republicano e a dramatização do seu discurso poderão não ser suficientes para evitar a eleição da primeira mulher presidente dos EUA. É sensato, contudo, não fazer uma analogia com aquilo a que assistimos recentemente no Brasil, onde a eleição democrática da presidenta Dilma, debilitada por um processo judicial, terminou na sua destituição. Muitos apontam esse risco, de Hillary Clinton iniciar o seu mandato a braços com um processo que, pela sua densidade, a fragilizará politicamente, abrindo o flanco a uma instrumentalização política do fenómeno judiciário para obter a sua destituição. Que isso ocorra naquela que, há décadas, é considerada a democracia mais forte do planeta, é paradigmático da crise institucional que perpassa pela generalidade das suas nações.
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