Hoje, para o i,
Os mesmos media que nunca puseram a hipótese de Hillary Clinton perder as eleições nos Estados Unidos da América explicam-nos agora, com enorme paternalismo – a nós e às criancinhas –, as razões da vitória inesperada de Donald Trump. As narrativas que imperam para justificar a surpresa são a sublevação de uma América escondida, a rejeição do establishment e uma suposta teoria da conspiração liderada pelo FBI.
Poucos são os que apontam como fator decisivo a incapacidade de Hillary Clinton para dar continuidade à mobilização iniciada por Obama. Pelo caminho, a comunicação social empreende um exercício de futurologia sobre como será a administração do presidente eleito.
Em relação ao futuro, as decisões do novo presidente em matéria de política externa e de defesa são as que preocupam os analistas, nomeadamente a relação com a Rússia e com a Europa, bem como uma eventual desvinculação da América de tratados internacionais, como os compromissos de Paris sobre as alterações climáticas, o TTIP ou a NATO. Há, contudo, uma dimensão interna que tem passado discreta mas que, por um lado, entendo que traduz uma das maiores derrotas dos democratas nesta eleição e, por outro lado, será seguramente uma das cartas decisivas que Trump tem à sua disposição para recolher apoios junto de vários grupos ideológicos do Partido Republicano: as nomeações para o Supreme Court que terão de ser feitas nos próximos quatro anos.
Na verdade, Trump tem neste momento o poder de determinar a inclinação ideológica e condicionar o destino da agenda “progressista”, na próxima geração, com as várias nomeações para aquele tribunal, que lhe permitirão consolidar uma maioria conservadora numa instituição com um importante papel no jogo de checks and balances da democracia americana. Não está em causa apenas a substituição do ilustríssimo Antonin Scalia: há pelo menos mais três juízes em idade avançada e que poderão ser substituídos nos próximos quatro anos: Stephen Breyer (78, nomeado por Clinton), Anthony Kennedy (80, nomeado por Reagan) e Ruth Bader Ginsburg (83, nomeada por Clinton).
Em maio deste ano, o presidente eleito antecipou já uma lista com alguns nomes da sua preferência, todos eles profundamente conservadores, dos quais destaco William Pryor Jr., que expressou de forma clara o seu desprezo em relação à decisão histórica sobre o aborto, Roe versus Wade, como sendo a “maior aberração da história do direito constitucional” americano.
A vitória de Donald Trump não representa apenas a derrota de Hillary Clinton, podendo resultar na afirmação de uma agenda conservadora que funcione como tampão judicial para o progressismo acelerado que se impôs na América nos últimos anos.
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