Neste delicadíssimo período de entusiasmo, união e reflexão patriótico-futeboleira sobre a “seleção de todos nós”, o assassinato de Carlos Gouveia foi praticamente um rodapé nos órgãos de comunicação social. O comerciante de 42 anos, radicado na Venezuela e desaparecido desde o dia 23 de maio, foi encontrado decapitado e sem mãos. Segundo o jornal i, este é o segundo português assassinado no paraíso do chavismo nas últimas duas semanas.
Não houve qualquer manifestação de solidariedade para com a família de Carlos Gouveia - nem uma só vela na porta da embaixada da Venezuela. As notícias foram praticamente inexistentes. Há mortes mais convenientes do que outras, e a indignação um estado de alma que tem de alinhar com o pensamento dominante: os nossos jornalistas estão maioritariamente mobilizados para cobrir as indignações do momento, tudo o que diga respeito ao Brexit, à falta de atitude do nosso Ronaldo, às frases do senhor Schäuble ou até ao policiamento partidário, como o que me foi generosamente oferecido pelo jornal “Expresso”, que me dedicou amplo espaço, fazendo “notícias” de criterioso copy/paste de opiniões como esta - sem, contudo, enviar o cheque pelos direitos de autor. Tanto mimo esgotou as linhas que poderiam servir para noticiar aquilo a que se assiste na Venezuela. Regista-se o critério jornalístico. Já aos nossos políticos - como aqui disse na semana passada - não sobra tempo, entre as várias deslocações, beijinhos e selfies, para de uma forma firme e sólida protestar e censurar o caos instalado na Venezuela, que põe em risco a vida dos muitos emigrantes portugueses que ali residem. Ficamos com a dúvida se a distração é genuína ou tática, não vá desagradar-se a PCP e BE, que não gostariam de ver a embaixada venezuelana a ser declarada “inamistosa”. Tão-pouco alguém aponta a dualidade de critérios: à rapidez com que o PS e o Bloco correram a pedir no parlamento uma condenação de um tribunal soberano de um país estrangeiro contrapõe-se um silêncio cúmplice em relação ao regime político de Maduro, que prende e mata sem pudor os seus opositores.
A situação na Venezuela, onde vivem centenas de milhares de portugueses, é extremamente grave e exigiria uma postura mais firme do nosso governo, sobretudo depois do assassinato de mais um português. Terei sido a única a ouvir António Costa prometer resolver os problemas dos emigrantes durante as comemorações do Dia de Portugal em Paris?
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