quinta-feira, 30 de junho de 2016

Jornal i #70 - Queridos líderes


O meu texto desta semana para o i,

Portugal não precisa de políticos rendidos a esta lamentável cultura de afetos, mas de líderes que sejam capazes de, sóbria e esclarecidamente, tomarem as decisões difíceis que a situação do país e do mundo exige

A democracia fundamenta-se na escolha dos cidadãos; o Estado de direito, na separação de poderes. O que dá consistência e progresso a uma comunidade é a força das suas instituições - económicas, políticas e judiciais -, privadas e públicas, e a autonomia dos seus cidadãos para fazerem escolhas não condicionadas e livres. A ambição máxima de uma sociedade estruturada é que a gestão da coisa pública se institucionalize nestes dois pilares e não domine o espaço comunicacional até à náusea.

Esse espaço, em Portugal, está longe de ser o expoente de uma sociedade saudável e madura, vivendo antes dominado pelo culto de personalidades presentes ininterruptamente, quais santos elevados num altar. Os nossos políticos, em vez de se dedicarem ao exercício dos seus cargos, procuram diariamente o carinho do povo, numa doentia - e cansativa - magistratura da ubiquidade. O populismo é isso: a tentação dos políticos de deturparem o equilíbrio institucional procurando, numa cultura de afetos, o apoio permanente do povo para legitimar toda e qualquer ação que os ajude a perpetuarem-se no poder. Como se fossem concorrentes de um reality show, na mesma semana, Presidente da República (PR) e primeiro-ministro (PM) dividiram-se entre jogos de futebol e marteladas de S. João. Não que a comparência nestes eventos não faça parte da “festa da democracia”: já as escolhas que lhes estão subjacentes são altamente discutíveis. O PM, por estar supostamente no Porto, faltou a um importante debate parlamentar; já o PR deu sinal de que não há espaço que não ocupe e faça seu, ao comparecer na flash interview, local reservado aos intervenientes num jogo de futebol, mostrando que todo o espaço de protagonismo lhe pertence, desde que o deseje. Pelo andar da carruagem, não se espantem se virmos o comandante supremo das Forças Armadas no banco da seleção, a instruir o treinador na tática vitoriosa. Com tanta omnipresença e apelo ao carinho, é seguro que ao prof. Marcelo a história vai reservar o cognome de Querido Líder.

Portugal não precisa de políticos rendidos a esta lamentável cultura de afetos, mas de líderes que sejam capazes de, sóbria e esclarecidamente, tomarem as decisões difíceis que a situação do país e do mundo exige. As gerações mais novas, como a minha, dispensam o clima festivo e a presença permanente dos políticos no espaço público, e o estilo bolivariano que os acompanha. Não precisamos dos afetos dos políticos nem da sua irritante presença diária em todos os espaços que frequentamos - incluindo os mediáticos e os lugares vagos do nosso sofá. Se fosse para isto, tínhamos votado na Teresa Guilherme. Líderes procuram-se: é que amigos para beijar e opinadores de bola, é coisa que não nos falta.

domingo, 26 de junho de 2016

era capaz de jurar



Era ele (é que nem lhe conhecemos o nome...), hoje, algures perdido em Maastricht, em busca de outra Silvya?

Dans la ville de Sylvia, José Luis Guérin (2007)

(quase quase) o dom da ubiquidade

sexta-feira ao almoço: Lisboa
sexta-feira à noite: Porto
sábado ao almoço: Viseu
sábado à noite: Lisboa
domingo ao almoço: Bruxelas
domingo ao jantar: Maastricht


quarta-feira, 22 de junho de 2016

Jornal i #69 - A seletividade das indignações da esquerda


Ontem, para o i,

Ainda estou à espera da reação da esquerda e dos sindicatos, pelo menos, a esta instigação à exploração do proletariado, mas estou cada vez mais convencida de que a indústria da indignação é muito seletivaEm 2011, todos ouvimos as palavras de Passos Coelho sobre a emigração de professores. As reações, imediatas, foram de indignação: o primeiro-ministro (PM) estava a apontar a porta da rua à juventude. Rapidamente foi criado o Grupo de Protesto dos Professores Contratados e Desempregados, o poeta Alegre fez uns versos de pé quebrado, na televisão o comentador Marcelo criticava Passos por cometer “um erro grave” porque o PM “não pode convidar as pessoas a migrar” e Mário Nogueira, então mero sindicalista, imediatamente convocou mais uma manif para reivindicar o direito a obrigar o PM a emigrar. A semana passada, António Costa, entre sorrisos e beijinhos, repetia o “apelo” de Passos sobre a emigração de professores; porém, o dito grupo não apareceu, o outrora poeta nada declama, Marcelo comentador reencarnou como Presidente da República e Mário Nogueira é agora mandante do ministro da Educação e, por isso, “vê um significado diferente” nas declarações de Costa.

Dias depois, o ministro das Finanças explicava a vantagem competitiva do país a uma plateia de empresários: os portugueses são os que mais horas trabalham na Europa (apenas o setor privado, acrescentaria eu) e até são baratinhos. Portanto, para o senhor ministro, a precariedade é a nossa vantagem. Ao que parece, a plateia não ficou persuadida: o indicador do Banco de Portugal para medir a atividade económica atingiu um valor negativo em maio (o que não acontecia desde agosto de 2013) e, depois de uma nota de investimento do Commerzbank e do relatório anual do Mecanismo Europeu de Estabilidade, eis que somos brindados com a atualização trimestral sobre a economia portuguesa da Moody’s.

Ainda estou à espera da reação da esquerda e dos sindicatos, pelo menos, a esta instigação à exploração do proletariado, mas estou cada vez mais convencida de que a indústria da indignação é muito seletiva.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

não passa




Um filme sobre a "lei" da vida: sobre como lutar - sem desistir in between - pela vida que  v-e-r-d-a-d-e-i-r-a-m-e-n-t-e queremos viver. Há uma forma correta e outra errada? Um caminho mais adequado e outro menos? É tudo uma questão de meios para atingir fins? Pobre de quem tenta realizar os seus sonhos e não sabe responder a isto; pobre de ti, Paul, e de mim, que isto me não passa.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Jornal i #68 - O futuro do jornalismo: um jornalismo self-service?


Hoje, para o i,

Num livro sobre redes sociais e movimentos de indignação, Manuel Castells analisa o fenómeno: do movimento Occupy às primaveras no mundo árabe, aquelas redes atuaram como forma de compartilhar dores e esperanças, conectar as pessoas e conceber projetos a partir de múltiplas fontes, com mais ou menos significado e consistência, dando forma à utopia das utopias e, nalguns casos, a um grande nada. Na segurança do ciberespaço, esse não lugar, os indivíduos uniram-se, desejosos de forjar e reconstruir a história.

Por cá, já nos vamos habituando, no conforto do sofá, da secretária ou até nas paragens do trânsito, num rápido check no “Face”, às “ondas de indignação nas redes sociais”. Quase todos os dias pela fresca ou depois do treino no ginásio, mentes articuladas, “em rede”, procuram preencher o vazio cultural e a desesperança pessoal com uma espécie de intervenção social, forjando falsas questões morais. São os trunfos pós-modernos de uma espécie de democracia direta contra o mundo. Todos vivemos melhor depois de vertermos uma lágrima pela cadela da atriz Maria João Bastos ou de nos revoltarmos com as declarações de José Cid. A semana passada lia nos jornais sobre a indignação da semana: a taróloga que aconselhou uma vítima de violência doméstica a mimar o marido. No caso de José Cid, o “Público” avançava que o Facebook o “punia”.

A importância crescente das redes levanta várias questões, entre elas o futuro do jornalismo. Atuando como uma nova espécie de democracia direta, as redes geraram um jornalismo self-service ou wash-and-go que abandonou o papel de intermediador entre o cidadão e a realidade dos factos e passou a ter por referência a triagem dos factos da realidade dos utilizadores do Facebook. Veja-se a notícia, na semana passada, dada como novidade pelo “Observador” sobre o navio Bom Jesus, uma notícia já com oito anos, mas ressuscitada naquela semana pelas redes.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

são as piores

"A sós no quarto pasmou-se das lágrimas que chorava, sem saber de que dor".

O Rebate, J. Rentes de Carvalho, Quetzal, p. 19

certeiro

Why You Will Marry the Wrong Person:


"(...) This philosophy of pessimism offers a solution to a lot of distress and agitation around marriage. It might sound odd, but pessimism relieves the excessive imaginative pressure that our romantic culture places upon marriage. The failure of one particular partner to save us from our grief and melancholy is not an argument against that person and no sign that a union deserves to fail or be upgraded.

The person who is best suited to us is not the person who shares our every taste (he or she doesn’t exist), but the person who can negotiate differences in taste intelligently — the person who is good at disagreement. Rather than some notional idea of perfect complementarity, it is the capacity to tolerate differences with generosity that is the true marker of the “not overly wrong” person. Compatibility is an achievement of love; it must not be its precondition.

Romanticism has been unhelpful to us; it is a harsh philosophy. It has made a lot of what we go through in marriage seem exceptional and appalling. We end up lonely and convinced that our union, with its imperfections, is not “normal.” We should learn to accommodate ourselves to “wrongness,” striving always to adopt a more forgiving, humorous and kindly perspective on its multiple examples in ourselves and in our partners."

sexta-feira, 3 de junho de 2016

as 4 artes segundo Rentes de Carvalho

"São várias e essenciais, caso se deseje ir andando com os pés bem assentes no chão, cabeça arejada e o sorriso que só se consegue genuíno à custa de grande esforço. Ficam aqui quatro.

A arte de saber encaixar, tentando descobrir as razões do outro para o insulto, o veneno, a raiva, a mesquinhice. Não concluir logo que talvez seja estúpido e mau, antes levar a sua atitude à conta da impotência e das desilusões, da ambição que o tortura, de um destino que não conseguiu realizar.
A arte da paciência. Muito difícil esta, porque as exigências, os deveres, os pedidos e as pressões vêm de todos os lados, como flechas em batalha medieval, nenhum escudo é bastante grande, são dezenas as que trazem veneno na ponta e acertam no alvo.
A arte das boas maneiras. Eficaz para fintas e contra-ataques, permite escapar com delicadeza aos assédios de maldade, serve de armadura contra a estupidez, ajuda a criar o que se chama boa reputação.
A arte do desdém. Dispensa-se às gotas, medidas numa colher de jovialidade, dissolvidas em torrões de ironia com aparência de açúcar."

D' aqui.