quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

about Rohmer

"(...)the films all centre, to a degree rare in cinema, on talk: talk as a way of presenting a plausible, attractive version of oneself to the world; talk as a means of discovering things about the people one meets; talk as a tool one uses to try to distinguish some kind of 'truth' from hearsay, opinion or falsehood. In other words, the films are partly about secrets and lies".

Sight&Sound, Fevereiro 2015, Vol. 25, issue 2. 

inês

de queixo erguido, olhava para nós com um olhar fino e sempre que (se) queria afirmar num determinado assunto mais sério, do qual esperava a nossa opinião, a mão direita remexia no cabelo, encaracolando-o, naturalmente, ao ralenti, como que desenhando a trajetória dos seus pensamentos. Era aquele gesto que nos sinalizava quando falava a brincar ou não e que apresentava, ao mundo, uma outra versão de si que se esforçava em esconder.

Sem rancores ou cobranças, nunca lhe conseguirei explicar o que acabei de escrever mas lembro-me quando vejo alguém percorrer, com a mão, a mesma trajectória.


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Jornal i #7 Lapso mamário

Texto para o Jornal i:


O mundo mudou, mas o "The Sun", durante quase meio século, na sua página 3, manteve a tradição. Durante décadas, a modelo, em topless, era a única certeza que o leitor tinha ao comprar aquele tablóide britânico. A semana passada o movimento feminista, de cariz tendencialmente totalitário, logo pouco democrático, quase adquiria mais uma "conquista" para o campo do radicalismo. Na terça-feira, anunciava o jornal "The Times" (pertencente ao mesmo grupo) que a page three encerraria. Facto desmentido, dois dias mais tarde, pelo próprio "Sun", que, com maminhas à mostra, punha a nu a mentira. 

Durante o "lapso mamário", a polémica instalou-se entre as modelos da "promíscua" page three e as académicas feministas, em particular a Sr.a Harriet Harman, do Partido Trabalhista. O argumento central das modelos resume a essência do liberalismo quando assumido de peito aberto: "Porque devem as feministas dizer a todas as outras mulheres como levar a sua vida?" Serão as mulheres seres tão frágeis que necessitam que uma feminista as guie na vida? Ou será esta mais uma forma de manifestação da velha ditadura do colectivo sobre o individual? Por outro lado, acrescentam as modelos, as mulheres lutaram juntas pelos seus direitos e agora lutam umas contras as outras? 

Aqui entre nós, creio que há objecções mais válidas ao conteúdo do tablóide britânico que as maminhas de modelos, pagas para o efeito, com uma tradição de 44 anos. Como também já houve argumentos mais válidos para apoiar o feminismo.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Fazendo de conta

Texto publicado no Jornal do Centro do dia 23.01.2015

O funicular de Viseu, obra do ruismo paga com dinheiros públicos, cumpre com mérito todos os requisitos para ser uma obra politicamente correta: é gratuita e não poluente. O seu propósito inicial terá sido uma tentativa de dinamização do centro histórico esquecendo que, aquilo que verdadeiramente atrai as pessoas são, nada mais nada menos que, os postos de trabalho e o comércio. Ainda assim, há três dados adquiridos: custou perto de 5 milhões de euros;  a sua operação bloqueia 350 mil euros por ano ao erário público e a taxa de utilização é extremamente baixa.
      Das notícias que temos conhecimento percebe-se que a CMV encontrou uma solução brilhante:  a abertura de um concurso público para a operação, manutenção e condução do ascensor  que, segundo o edil municipal, irá reduzir em 20% as despesas absurdas deste transporte público prestado pela Câmara. Ora, para que haja participantes privados neste concurso teria de haver um interesse económico não altruísta que servisse de estimulo à participação. Reconhecendo, por isso, que não o há, os cofres da CMV abrirão as suas bolsas para subsidiar em 283 mil euros o interessado. 
     Louva-se a redução de 20% dos custos mas não posso deixar de notar que esta é uma forma de iludir os viseenses acenando com uma solução temporária e mínima que permite à CMV fugir à pergunta essencial: qual é o interesse público – pressuposto da concessão de um serviço público – do funicular?
É que a CMV insiste em fazer de conta que ele existe.





  

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Jornal i #6 Vacas Sagradas


O meu texto de hoje, para o Jornal i:

Sábado, 17 de Janeiro de 2015, entro num dos restaurantes típicos de Viseu. Felizmente na capital da Beira a oferta é de qualidade e variada. Para almoço escolho uma carne de vaca estufada, acompanhada de um magnífico tinto, reserva de 2007, Vinha da Paz.

São 14h30 e como a tarde ainda é longa aproveito para pôr a leitura em dia.
Descubro “COWSPIRACY: The Sustainability Secret”, de Kip Andersen. O tema interessa-me, vou investigar um pouco mais.

Segundo a obra, uma alimentação carnívora é mais prejudicial ao meio ambiente que, por exemplo, circular na Baixa lisboeta com um carro matriculado antes do ano 2000 – estarei a ver um bom argumento para o Dr. Costa preparar uma taxa bovina para o centro de Lisboa?

Explico: segundo a teoria, lançada no documentário, a pegada ecológica causada pela indústria agro-pecuária é não só o principal emissor de gases de efeito estufa, mas também a principal causa da erosão dos solos e da desflorestação. Como bónus, a insensibilidade animal de algumas organizações ambientalistas também não é poupada. Segundo alguns relatos, várias pessoas, depois de assistirem ao documentário, mudaram de alimentação. Parece assim encontrado o mantra da próxima década para a agenda vegan e para os desiludidos de Al Gore.

A verdade inconveniente é que entretanto chegaram as 20h00 e, como a gula não perdoa, sigo para uma suculenta vitela assada de Lafões, acompanhada por um D. Georgina 2005 da Quinta de Lemos, porque recusar a gastronomia das Beiras é um crime contra a humanidade.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Birdman



Birdman é realmente um Bird(man). De tal modo que, de quando em quando, sentimos as suas penas afagar-nos a garganta.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

as pessoas são mesmo assim

Presta atenção, rapaz. Com a próxima pessoa adequada com quem estás a conversar descontraidamente, para repentinamente a meio da conversa e olhas de perto para ela e perguntas-lhe: "O que é que se passa?". Dizes isso com um tom preocupado. A pessoa pergunta: "O que é que queres dizer com isso?".  E tu respondes: "Há qualquer coisa que não está bem. Já reparei. O que é?". E ela fica estupefacta e pergunta: "Como é que percebeste?". Não se dá conta de que há sempre qualquer coisa errada com toda a gente. Muitas vezes, mais do que uma coisa. Não sabe que toda a gente anda sempre por aí às voltas com qualquer coisa errada e convencida de que tem grande força de vontade e controlo para não deixar que os outros, que julga que nunca têm problemas, vejam. As pessoas são mesmo assim. Pergunta-lhes de repente qual é o problema e quer se abram e despejem o coração quer neguem e finjam que tu é que não estás bem, vão pensar que és perspicaz e compreensivo. Vão ficar gratas ou assustadas e evitar-te a partir dessa altura. As duas reacções têm a sua utilidade, como iremos ver. Podes usá-las de uma maneira ou de outra. Isto funciona 90 por cento das vezes. 

David Foster Wallace, O Rei Pálido, p. 26

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

momentos proustianos

Um pequeno movimento pode revelar uma enorme emoção. Um olhar triste, uma reacção reprimida, um sorriso forçado, um tom de voz mais tremido, um toque mais ternurento, tudo isto nos escapa frequentemente, diariamente, na vida real. Mas no mundo do cinema, esses momentos proustianos são-nos revelados pela câmara: a esses pequenos movimentos a câmara concede-nos a possibilidade de os contemplar, de nos consolarmos com eles e, mais importante, de pasmarmos diante deles. E foi assim que pasmei com Le Dernier Metro (1980), de F. Truffaut, com a personagem de Catherine Deneuve e os seus pequenos movimentos a propósito da sua paixão por Bernard Granger (Depardieu).