terça-feira, 29 de dezembro de 2015

o melhor livro que li em 2015







Jornal i#49- Os 3 presidenciáveis da(s) Esquerda(s)

A Esquerda, outrora unida no apoio à possibilidade de um governo socialista, apresenta-se às eleições presidenciais com múltiplos candidatos dos quais merecem destaque: “A Presidenta” - Marisa, “A Falsa Frágil” - Maria de Belém, “O Discriminador” - Sampaio da Nóvoa.

Começando por Marisa Matias, não se compreende a postura desta candidata que em tempos defendeu existir “feminismo a menos”. Não sei como Marisa quantifica ou mede o feminismo, mas a sua candidatura, provavelmente, não o terá em doses aceitáveis. Os seus cartazes audaciosos e quase sexy, em que a candidata se apresenta como uma espécie de Sara Sampaio da esquerda indígena, afirmando-se objeto de desejo, de esperança, ao lado de slogans curiosos como o caso de “uma por todos”, são a prova disso. 

Maria de Belém, nas próprias palavras uma “falsa frágil”, expressão com um nível de curiosidade semelhante a “falso lento” inúmeras vezes presente em relatos de partidas de futebol, apresenta uma candidatura cuja força reside no “carácter” e não no “caráter”, apelando ao voto daqueles que articulam a consoante ou dos que preferem o acordo ortográfico de 1945. Seria importante esclarecer aonde reside, afinal, a força de Belém: é que em questões deste teor já nos basta um Primeiro Ministro cuja articulação foge da ortografia como o diabo da cruz sempre que pronuncia “pugrama” em vez de “programa” e nem vamos entrar na questão da dicção. 

Por fim, Sampaio da Nóvoa, parece ter – poeticamente, é claro - proclamado que tudo no seu corpo era Minho e Norte numa atitude vergonhosamente discriminatória para com, por exemplo, as Beiras, Ribatejo ou mesmo o Alentejo e Algarve. Assim, sabemos que Nóvoa nunca será o Presidente de todos os portugueses, nem de toda a esquerda. Bom, a realidade é o que e, segundo as sondagens, nenhum dos 3 irá para Belém.

Hoje para o i:

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Jornal i#48 - Partido democrático muçulmano?

O leitor está lembrado de um livrinho, bastante incómodo para algumas almas mais “humanistas”, chamado “Submissão”, escrito por Michael Houellebecq? Em “Submissão”, o autor, ficcionava a pátria da “liberdade, igualdade e fraternidade” entregue, por via democrática, nos braços do islamismo graças à vitória presidencial de Mohammed Ben Abbes, fundador da Fraternidade Muçulmana.

Pois bem, a passos largos, a realidade tem vindo a aproximar-se da suposta ficção. Em 2012, em França, surgiu o Partido Democrático Muçulmano, que, por exemplo, já obteve mais votos que o Partido “os Verdes” e vai mesmo apresentar um candidato à presidência da república francesa, segundo os media franceses. Entre as suas bandeiras políticas encontra-se o ensino na língua árabe nas escolas, a defesa do sistema bancário islâmico, a obrigatoriedade da comida Halal nas escolas, a defesa do uso da burca em locais públicos e a defesa da poligamia. Em caso de vitória, “Submissão”, será afinal uma profecia do autor.

O livro de Houellebecq não contém nenhuma referência ofensiva ao islamismo é antes uma reflexão sobre a falta de “fé”, sobre o esgotamento religioso e espiritual da Europa, em linha com o conceito de “liquidez moderna” apregoado por Bauman. Não posso deixar de concordar com alguns vozes que atribuem as culpas a uma certa “ideia” de Europa pós-nacional que rejeita laços de pertença à nação e à religião. Uma Europa que renega a sua identidade judaico-cristã será, a breve prazo, uma Europa incapaz de se reconhecer em si própria.

Hoje, para o i.

a perspetiva de Rentes de Carvalho sobre o comunismo

No meio de tanto rebuliço sobre banca e governo (este e o anterior) para desanuviar um pouco os ares partilho aqui a perspetiva de um escritor português que tenho vindo a descobrir, primeiro o seu blog e, agora, um primeiro romance, Ernestina, do J. Rentes de Carvalho. Há uma passagem maravilhosa na qual a personagem principal relata a sua primeira (e julgo que única) relação com o comunismo, essa "abstração" que lhe foi apresentada por um tal de Camilo. Convém ter presente que a trama se desenrola durante a ditadura de Salazar:

"Quase no fim, e embora nunca tivesse dado conta disso, ele convenceu-me de que eu próprio era vítima do sistema. Bastava ver o modo como o reitor, exemplo típico do fascista brutalhão, tinha abusado da sua autoridade, castigando-me sem reunir o conselho disciplinar. Como se eu não tivesse direitos! Aliás, ficasse eu a saber que o estudante era um operário como qualquer outro, só que em vez de usar as mãos usava a cabeça. Por isso era nosso dever unirmo-nos às massas trabalhadoras e lutarmos juntos pela nova ordem social.


Meses a fio o Camilo iria entregar-me à socapa números do Avante e livros de doutrina marxista que deveriam ter andado por muitas mãos, pois vinham sempre amarrotados e sebentos. A minha obrigação era lê-los, discuti-los com ele, até ao dia em que, suficientemente instruído, pudesse entrar em contacto com os outros camaradas da célula.

Eu tentava ler, mas logo me aborrecia. Zola, Balsac, Dickens, Eça de Queiroz, eram infinitamente mais excitantes e a sua solidariedade com os oprimidos menos abstrata. Além disso, nascera avesso a doutrinas e dogmas. O padre da catequese tinha tentado, o professor de Moral tinha tentado, mas a minha reação instintiva fora sempre de rebeldia."

Ernestina, Rentes de Carvalho, 2009, p. 264 e 265.

Também publicado aqui.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Chet is around




e com uma crítica, ao que parece, ao tinder.

Jornal i #47 - O que quer o PCP?

Hoje, para o i:

A 7 de Dezembro, o Partido Comunista Português (PCP), suporte parlamentar do governo, expressou a sua “solidariedade” com os camaradas (socialistas e comunistas) venezuelanos porque, de acordo com os comunistas portugueses, o “processo revolucionário bolivariano e as suas históricas conquistas”, que “importante repercussão têm tido na América Latina”, foram interrompidos. Mas que processo revolucionário é esse e quais são as históricas conquistas que merecem tal manifestação de solidariedade do PCP?

Vejamos: a inflação disparou para taxas estapafúrdias, superiores a 150% ao ano; no início deste ano circularam vídeos ora de saques ora de filas para os supermercados; as prateleiras estão vazias, não há papel higiénico (e a justificação de tal escassez foi a alimentação excessiva dos venezuelanos, que se pode resumir num ditado popular demasiado grosseiro para citar nestes meandros), a água escasseia e os preservativos são bastante caros; nos bancos o limite de levantamento era de 13 euros; em 2013, tal era a escassez de carros no mercado automóvel que um carro usado custava três vezes o preço do mesmo carro novo; no ano passado foi proibida a compra de mais de cinco produtos na Zara por mês. Em termos políticos e sociais, Luis Manuel Díaz, secretário--geral do partido da oposição ao déspota Nicolas Maduro, Acção Democrática (AD), foi assassinado em Novembro deste ano; em Agosto foram executados cidadãos à luz do dia, isto para não dizer que a criminalidade é um estoiro. Mas, atenção, apesar de tudo isto, em 2013 o governo de Maduro criou um Vice-Ministério para a Felicidade Social.

Temos então o PCP a considerar uma conquista histórica a transformação da Venezuela numa espécie de segunda via cubana. Dito de outro modo, temos o PCP a manifestar simpatia pelo caminho que o socialismo, a par com a miséria, tem percorrido, nos últimos 15 anos, por terras venezuelanas. Tal facto seria considerado mera manifestação inconsequente de apego a um passado, não muito distante, em que o PCP via Portugal como uma espécie de Roménia lusófona; mas perigoso se torna se, depois de ter colado o pin do BE na lapela esquerda, António Costa desejar, a todo o custo, colocar também ao seu lado o pin do PCP. Nesse momento saberemos o que nos espera, mas não será por falta de aviso que nos vamos encontrar na fila para o papel higiénico.

domingo, 13 de dezembro de 2015

uma descrição literária de Youth

"Mas o pai morreu - aos 80 anos, embora parecesse mais velho - num fogo lento de raiva eficaz. Acontece no rosto de alguns homens a carne descair por falta de exercícios de expressão, o homem que sente por detrás da pele deixa de precisar de a usar.(...)"


J, Howard Jacobson, p. 57.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

num autocarro algures em Lisboa

O cenário idílico: um autocarro, ao final de um dia cinzentão, a atafulhar de gente. Uma mochila às costas, com cerca de 1000 kg no interior (um ligeiro exagero, note-se), num exigente jogo de equilíbrio entre corpos cansados (e alguns suados) que se abalançam uns contra os outros e contra o mundo, depois de um dia de trabalho, agarrada à barra superior pela minha débil mão esquerda, viro a cara para deixar cair os olhos (mas, juro, a minha vontade era deixar-lhe cair em cima a mochila) numa senhora que, depois de muito me pisar várias vezes e de me dar sucessivos encontrões, interrompe uma discussão pelo seu telemóvel com o "mor", abre a boca e balbucia: menina, está a magoar-me MUITO no braço. Ao que eu respondi, não sei bem com que forças, com a paciência equilibrada nas profundezas da minha bondade, estou a fazer os possíveis para me agarrar, minha senhora. Mas...  Fiquei-me pelo mas quando percebi que a indivídua nem sequer se dignou olhar para mim para ouvir a minha explicação (inexplicável a não ser pelas circunstâncias a que todos estávamos sujeitos) e continuou no seu exercício de refilanço com o "mor", muito mais importante, com toda a certeza do Mundo, do Além, alheio a todo o tipo de circunstancialismo. 

bis

ainda a propósito deste post,




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Jornal i #46 - Quanto sabe o Facebook sobre si?



Leio que “o Facebook (FB) é o site onde os europeus mais querem ser esquecidos”. Faz sentido sobretudo para os que conhecem Max Schrems que, em 2011, exigiu ao FB conhecer todos os dados recolhidos sobre si. Dois anos e uma batalha judicial mais tarde, o FB entregou-lhe 1200 páginas (!) contendo uma radiografia da sua actividade, dos seus gostos, das suas preferências, amizades, conversas, incluindo todas as localizações, computadores e gadgets em que acedeu ao FB.

Também a Google, à qual não mentimos e fazemos revelações mais íntimas do que à família, amigos ou mesmo ao padre, sabe se pensamos participar numa manif, se queremos fugir aos impostos, onde queremos jantar ou viajar, ou qual o cantor da moda que secretamente galamos. A Google é mais conhecedora que muitas possessivas e dedicadas esposas. Seguramente, sabe mais sobre mim do que eu, já que grava memória de tudo o que pesquisei desde sempre. E, se o leitor assistiu no YouTube a filmes menos recomendáveis, a Google sabe, e não se espante se, depois de uns minutos de visionamento furtivo, receber um sugestivo email propondo-lhe “enlarge your penis”. Tudo foi facilitado por uma política de “privacidade” implementada em 2012. E este “perfil” que a Google constrói sobre nós, com base nas interacções digitais a que tem acesso, é distinto da representação que apresenta a terceiros sempre que nos pesquisam – e é apenas aí que actua o “direito a ser esquecido”.

O tema é tratado como um problema de privacidade e de liberdade de expressão. Mas as implicações são também para a identidade pessoal, entendida como um processo dinâmico de (re)construção sobre o qual devemos ter controlo, se não absoluto, pelo menos parcial. Desse processo faz parte a possibilidade de, querendo, sermos diferentes de nós mesmos: de evoluirmos, de melhorarmos, de fazermos ruturas com algo na nossa personalidade passada, que decidimos alterar; ora, todas estas possibilidades da “memória digital” ilimitada ferem gravemente essa nossa esfera de domínio e controlo individuais. Afinal, quem quer ser recordado em 2015 que no ano 2000, a caminho do liceu, trauteava a letra de “Baby One More Time”?

Hoje, para o i.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Jornal i# 45 - Pais, crianças e Facebook: a infantilização dos adultos

"Primeiro perdemos o retrato. Esse, que os mais sortudos ainda admiram, pendurado na parede em casa dos avós, em tom sépia próprio dos anos 20 e 30, com famílias a banhos e todo o tempo do mundo disponível, numa pacatez e serenidade para lá da fotografia e do nosso tempo.

Depois, perdemos os álbuns de família, apenas apresentados a visitas em ocasiões que justificavam uma partilha dos momentos de intimidade, de comemoração, viagens a locais exóticos ou simples instantâneos da vida familiar. Mas a família mudou, tornou-se um “hábito indolente”, diz Agustina, e a existência dos álbuns sofreu alterações, tendo passado do suporte físico para o digital. Agora, o seu lugar é nas redes sociais onde se publicam fotos de todos, literalmente todos, os momentos da nossa vida, desde a ida ao forno comunitário da aldeia ancestral perdida na Beira Alta à visita aos fornos crematórios de Auschwitz-Birkenau. Tudo é passível de ser fotografado, publicado e partilhado. Ou está online ou não aconteceu, é o mantra dos tempos. 

Vem este texto a propósito da “infantilização de adultos”, um fenómeno que se verifica cada vez mais nas nossas “sociedades pós-modernas”. Este rótulo é aplicável a todos os pais que usam a internet e as redes sociais para documentar a evolução dos filhos (desde ecografias às várias transformações etárias), expondo-os voluntariamente a todo o tipo de depravados. A criança é entendida como um brinquedinho manipulado ao sabor dos pais, sendo mero instrumento de comunicação e sociabilidade nas redes. Juridicamente, existe um possível conflito entre a dignidade da pessoa humana e a “objectualização” da criança.

Foi isto que, em síntese, decidiu o Tribunal da Relação de Évora ao confirmar a proibição de um casal publicar fotos da filha. A tecnologia tomou conta de nós e da nossa axiologia, nesta sociedade da exposição que renuncia à peculiaridade das coisas, dos álbuns, dos retratos e até dos filhos."


Hoje, para o i.

avisos


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Portugal ao espelho

A propósito do que aconteceu hoje, é muito isto:



"Com tudo o que na sua vida pública e política acontece de rasteiro, torpe, vergonhoso, Portugal mantém a rara qualidade de só ver no espelho, não o que este reflecte de miserável, mas o alegre piscar de olho do trapaceiro, a arte do vigarista da vermelhinha, a certeza de que embora às vezes demore, está  provado que o chico-espertismo leva sempre a melhor.

É um país que dispensa legisladores que o corrijam ou juízes que o castiguem, mas para espanto das gerações vindouras está a pedir um Balzac que lhe retrate os personagens e a triste comédia."

blue lounge

um sítio que me é muito próximo: blueloungecafe


à la Mod



Murder à la Mod (1968), Brian De Palma

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Jornal i#44 - A culpa não é do Ocidente


"Os massacres de Paris enjoaram-me duplamente. Primeiro, pela barbárie; depois, pela série de clichés a que assistimos desde as vagas de descolonizações do pós-ii Guerra Mundial, entre os quais a “culpa do Ocidente”. Procuram-se razões para justificar a atitude destes “jovens problemáticos”, como que desculpando-os, relativizando o crime com os guetos, o desemprego, a falta de integração, etc. Estes são problemas, sim. Mas nem de perto nem de longe a culpa é apenas e só dos países de acolhimento, dos “ocidentais” – veja-se o caso da integração da imigração lusa. 

Devido ao sentimento de culpa fazemos demasiadas concessões, vergadas à tolerância, para com as comunidades islâmicas: em Penela, no acolhimento de refugiados, entre as actividades que visam a integração, as aulas de português serão dadas a homens e mulheres em separado. Alguém perguntava, com razão, se esta duplicação de esforços também se aplica nos hospitais e nas escolas. E já nem falo nos milhões de euros que a Câmara de Lisboa vai dar para a construção de uma mesquita, uma benesse não atribuída, tanto quanto se sabe, a outras confissões. Também em Espanha, está estipulado que para tirar as fotos do BI seja visível todo o rosto, cabelo e orelhas, um princípio que até se aplica a freiras mas não a mulheres muçulmanas, a quem é permitida a foto com cabelo tapado. 

Mas as falhas de integração são também culpa de quem chega, como notava Serafin Fanjun numa esclarecedora entrevista ao “Público” no dia 19, referindo-se à endogamia e ao proselitismo. De facto, as sociedades europeias deram os primeiros passos, agora cabe àquelas comunidades fazê-lo. De resto, por uma única vez, gostaria que poupássemos nas palavras, nas explicações, na complacência, como resposta a quem nos odeia e, além de reduzirmos a pó uma ameaça identificada, que deixássemos de nos culpar a nós pelas intenções de um grupo terrorista que nos quer destruir. De outro modo, passarão vários anos e este texto fará todo o sentido."


Hoje, para o i, na mesma altura em que o Henrique Raposo publica um texto sobre o financiamento da CML à nova mesquita.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

memória






Blue Valentine (2010), Derek Cianfrance 

Com o passar do tempo esquecemos pessoas, lugares, ocasiões, momentos, situações, razões, decisões, etc... É um pouco isso que acontece neste filme que eu me esforço para não esquecer.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Too much information

"Social networking, transparency, exposure, confession, surveillance, Big Data - we live in a time when the flows of information of all kinds have never been freer or more voluminous. (By 2020, to cite almost numbingly meaningless numbers, there will be forty zettabytes of digitally produced data, or roughly 5200 gigabytes for each person on the planet.) Much of that information is about us: you, me our neighbors, our fellow citizens. And much of that information ends up, often without our knowing it, in the hands or data banks of corporations, governments agencies, criminal gangs, or simply interested (and sometimes malicious) others.

Using this data - Big Data, as it's so ominously called - companies and governments are able to create virtual versions of each and every one of us. These algorithmic selves (..) are in turn used not simply to anticipate our longings and cater to our needs, but even to shape and reinforce our behaviors and beliefs.

Are we concerned about this? A little, but not much. Certainly not enough to change our ways - or even demand that powerful organizations change theirs. The benefits of connectedness, efficiency, and instant access to information are powerful inducements to accepting an ever-more networked status quo. And the age-old need to confess to even the darker aspects our private lives has become more compulsive, if differently motivated, in our tell-all times.

Yet there are good reasons to question our complicity in a networked world of 360-degree transparency, and to think more critically about how the "cryptopticon" (this voluntaristic surveillance regime) may be shaping our selves and our culture in ways that are less benign. "What if confessional culture is simply an avenue for turning the surveillance society inside out?" asks historian Sarah Igo. And what if both lead to the decline of the very agency, creativity, and individuality that we thought our information-rich, networked reality was going to support?"

The Hedgehog Review. Critical Reflections on Contemporary Culture, Spring 2015, p. 17.

Um bom resumo da minha investigação para o doutoramento.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Jornal i #43 - O Bloco de Esquerda sabe o que é um Estado Constitucional, Representativo e de Direito?

Hoje, para o i,

A grupelha par(a)lamentar do Bloco de Esquerda (BE) tem vindo a provar ser, no nosso país, um perigo (e já estou a contar o PCP!)  para o Estado constitucional – assente numa Constituição reguladora de toda a sua organização e da relação dos cidadãos de modo a limitar o poder – Representativo – por haver uma dissociação entre a titularidade e o exercício do poder – e de Direito – porque, para garantir os direitos dos cidadãos, se estabelece a divisão do poder e o respeito pela legalidade. Esta confraria trotskista, expoente máximo da democracia jacobina, não é bem um partido mas um grupo de teatro amador, com diversas tendências semi-incompatíveis no seu interior, o que justifica alguma da sua irresponsabilidade. 

Ouvi-mos Catarina Martins, em Outubro, dizer “indigitar Passos é uma perda de tempo”. Uma proclamação sem preconceitos, não gostam do que está, tudo bem. Mas esta proclamaçãozinha, embebida em revolta e portadora do gosto de moralização da política tão bloquistamente característico, é perigosa se for lida em sintonia com a afirmação da deputada Mariana Mortágua (MM) no texto “Felizmente há luar”, publicado no JN. Nesta disparatada prosa, MM descreve o derrube do Governo no Parlamento como “um momento anedótico da situação política, fruto de um capricho de Cavaco”. 

Parece que, para estas senhoras, o regular funcionamento dos órgãos constitucionais, legitimados nas urnas pelo Povo, é uma anedota. Gostaria que, num dos momentos de pausa do planeamento da Grande Revolução, abrissem a Constituição no artigo 187.º e 195.º, n.º 1, al. d) para comprovar a existência de uma anedota cuja finalidade é regular e limitar o exercício do poder, dos nossos órgãos constitucionais, no caso um pressuposto de legitimidade de qualquer governo. Mas, compreendo, isso já seria pedir muito a quem nas últimas semanas se porta como dona do País e da verdade. Mal parada está a democracia, se António Costa deposita todas as hipóteses de um governo seu sobreviver a uma legislatura, num partido como o BE.





sexta-feira, 13 de novembro de 2015

de um momento para o outro

"Posso chamar-te a atenção para uma coisa? Usas sempre verdade e verdadeiramente, quer quando falas, quer quando escreves. Ou então dizes: de um momento para o outro. Mas quando é que as pessoas falam verdade  e quando é que as coisas acontecem de um momento para o outro? Sabes melhor que eu que é tudo uma embrulhada e que a uma coisa segue-se outra e depois mais outra. Eu já não faço nada verdadeiramente, Lenù. E aprendi a estar atenta às coisas, só os imbecis é que acham que elas acontecem de um momento para o outro".

Elene Ferrante, História de Quem Vai e de Quem Fica,  p. 246

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Jornal i # 42 - A mordaça de Sócrates


Na terça-feira, para o i, 

Ilusão e mentira são criadas através da manipulação da realidade, técnica que José Sócrates (JS) domina como poucos atores políticos nacionais. Projetos esquálidos na Guarda, Caso Cova da Beira, Universidade Independente, Freeport, Face Oculta (FO), Operação Marquês, Monte Branco, desde meados dos anos 80 aconteceu de tudo um pouco na vida de JS. Não sendo território virgem, recordando o caso do Jornal Sol no âmbito do processo FO, a providência cautelar interposta pela defesa de JS sobre o grupo Cofina, não deixa de ser mais uma nódoa neste curriculum que chegou à Sobornne [a prova fumegante que o ensino superior já não é o que era].

Juridicamente, a decisão é injustificada e desproporcional dado o seu âmbito demasiado extenso e, por isso, indefinido: desde logo, o conteúdo proíbe a publicação de qualquer notícia sobre o processo. Por outro lado, a aplicação da decisão abrange todos (e só) os jornais do grupo Cofina o que, evidentemente, choca com o seu direito a informar.

Ninguém defende a reprodução de escutas do âmbito privado. Não encontro qualquer valor em ouvir JS a pedir à mãezinha que lhe ofereça dois bilhetes para o "50 Sombras" ou que, pelo Natal, lhe traga aquelas meias quentes que usava em miúdo na serra. O segredo de justiça deve ser respeitado, as informações que resultam da sua violação num mundo ideal não devem ser divulgadas. Mas, atendendo aos crimes imputados, praticados durante o seu mandato como Primeiro-Ministro, o interesse público no conhecimento dos factos surge como inequívoco.

Voltando à manipulação da realidade, um jornal tem por missão a revelação de factos da forma mais clara possível e, com eles, abrir janelas de oportunidade de visão da realidade despistando a fantasia interior da convicção mais oportuna. Dizia JS, em Vila Velha de Ródão, “o que caracteriza o Estado de direito democrático, não é o que ele pode fazer, mas o que ele não pode fazer”. Estou de acordo, por isso é que esta censura prévia, com o aval da justiça, é vergonhosa. Sendo duplamente grave em face do silêncio tanto da “imprensa de referência" que, em janeiro último, imprimiu eloquentes editoriais sobre liberdade de informação, como de uma população que se diz Charlie. Entretanto, há um governo para derrubar e uma frente unida para eleger, a defesa da liberdade pode aguardar.

sobre as minhas raízes políticas

Uma bancada parlamentar fortíssima com o Francisco Mendes da Silva que muito me inspira desde o momento em que, há alguns anos, participei na sua candidatura à Câmara de Viseu num momento inesquecível (de porco no espeto) em S. Pedro de France.*


*Para que nunca haja dúvidas sobre as minhas raízes políticas. Sim, é verdade, tudo se resume a um momento tradicional de porco no espeto  durante a campanha das autárquicas em que o FMS foi candidato á Câmara de Viseu.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

doenças nervosas são para senhoras

"Esta última palavra é que tirou Lila do torpor. Franziu a testa, debruçou-se para a frente, falou em italiano:

- Está a dizer que estou doente dos nervos?
O médico olhou-a surpreendido, como se por magia a paciente que acabara de observar tivesse sido substituída por outra pessoa.
- Pelo contrário, estou-lhe apenas a aconselhar um controlo.
- Disse ou fiz alguma coisa que não devia?
- Não, não se preocupe, a consulta serve apenas para ter um quadro claro da sua situação.
-Uma parente minha, disse Lila, prima da minha mãe, era infeliz, foi infeliz toda a vida. No verão, quando eu era pequena, ouvi-a pela janela aberta, gritava, ria. Ou encontrava-a na rua, a fazer coisas um pouco loucas. Mas era da infelicidade, e por isso nunca foi a um neurologista, aliás, nunca foi a médico nenhum.
- Teria feito bem em ir.
- As doenças nervosas são para as senhoras.
- A prima da sua mãe não é uma senhora?
-Não.
-E você?
- Eu ainda menos.
- Sente-se infeliz?
- Estou óptima.

Elena Ferrante, História de Quem vai e de Quem Fica, p. 147

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Jornal i#41 - O "Público" ao serviço do PS?

Ontem, para o  i,         

      Desde logo, a moção "Mobilizar Portugal" a que o artigo se refere não é seguramente esclarecedora dessa intenção do PS querer romper com um bloqueio que não tem só 40 anos: dura desde sempre, desde que foi instaurado o atual regime democrático. Mas se a proposta eleitoral já de si não nos dá grandes pistas, analisando aquilo que foi a realidade da campanha, só mesmo por esoterismo se poderia concluir positivamente pela existência de uma vontade de consenso à esquerda. O PCP continuou a oferecer-nos a mesma música da M80, revisitando aquilo que lhe ouvimos sempre, nos anos 70, 80 e 90, protagonizando violentos ataques ao que considera ser a “política de direita” dos socialistas portugueses. Ouvir, aliás, as respostas de António Costa no debate com Jerónimo ou Catarina Martins só pode levar-nos a concluir por uma vontade frentista, na linha humorística com que Herman José nos cantava, “quanto mais me bates, eu mais gosto de ti”. Acresce que para concluirmos pela existência de um eleitorado esclarecido, não se pode fazer uma análise apenas centrada no PS, ignorando, se o que está em causa é um fact checking, a postura, os discursos e a campanha dos outros partidos.
           O Público chega ao ponto de afirmar que a prova da existência de esclarecimentos sobre a suposta disponibilidade para fazer uma aliança à esquerda decorre da hipotética ausência, já na campanha, e cita-se, de "referências diretas a consensos com o BE ou o PCP". Ou seja, a clarificação teria existido na pré-campanha, mas na campanha teria sido diluída por um discurso à procura da maioria. Para o fact checking do Público, pouco importa se Costa apresentou um programa macroeconómico nos antípodas do que é defendido por CDU e BE; se durante a campanha estes três partidos se digladiaram verbalmente na linha tradicional que lhes conhecemos. O que importa é tentar encontrar uma frase, uma referência, algum sinal vital que permita salvar a face de Costa. Algo que, diga-se, não é difícil, conhecida que é a capacidade que o líder socialista exibiu nos últimos meses, de defender tudo, e o seu contrário. Já o jornal Público, esse, na tentativa de imitar outros media, que souberam inovar na elaboração de fact checkings, ficou-se por aquilo que já há muito nos habituou: confundir opinião, e coração, com jornalismo.     

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Jornal i#40 - O muro que não caiu

Ontem, para o  i,

"Na sequência da proclamação de António Costa (AC), na semana passada, de que o “muro” tinha caído, secundada pelo historiador e guru ideológico Pacheco Pereira (PP) que garantiu que a “Esquerda mudou”, no programa Quadratura do Círculo da SicN, ouvimos também o argumento da esquerda de que o CDS-PP também tinha mudado na história parlamentar portuguesa, sobretudo o euroceticismo. A diferença que cumpre registar é que, para o CDS-PP mudar ninguém proclamou a queda de um muro e não foram necessárias grandes ou pequenas revoluções; essa foi uma mudança gradual que foi ocorrendo ao longo de anos, como todos os processos evolutivos devem ser. O CDS-PP andou a par e passo com o tempo, nunca quis estar adiante ou atrás dele, esta sim é uma atitude verdadeiramente conservadora. Para o processo de mudança ocorrer de forma séria e consistente, mais do que grandes revoluções devemos a assistir a pequenas evoluções. Ao invés do PCP, que optou por congelar-se numa cápsula do tempo, foi isto que aconteceu no CDS-PP e na sociedade Portuguesa.


Mas, não, para AC e PP, a transfiguração radical de uma realidade ocorre num espaço de semanas, como que por milagre, por via de uma simples proclamação, sem que nada nas ideologias políticas dos partidos de extrema-esquerda tivesse mudado. O problema é que o muro mais importante, o muro intelectual, não cai de um dia para o outro, muitos menos para os militantes comunistas portugueses. Vamos a factos: não foi assim há tanto tempo (fevereiro do ano passado) que no parlamento português, uma deliberação que condenava os crimes contra a Humanidade perpetrados pela Coreia do Norte foi aprovada por todos os partidos, menos pelo PCP. Ainda este Sábado, depois da declaração de Costa e do Guru PP, precisamente no mesmo dia em que o PCP se mostrava contra a participação de Portugal em exercícios militares da NATO, em entrevista à TVI, Jerónimo de Sousa reafirmava a condição Marxista-Leninista do PCP."

domingo, 25 de outubro de 2015

chuva

      "A cabana estava às escuras. Lá dentro havia o som da sua infância, o tamborilar da chuva num telhado que era feito apenas de barrotes e tábuas nuas, sem isolamento nem teto. Associava-o  ao amor da sua mãe, que no tempo próprio havia sido tão previsível quanto a chuva. Acordar a meio da noite e ouvir a chuva ainda a tamborilar como quando tinha adormecido, ouvi-la noite após noite, havia-lhe dado uma sensação tão parecida com a de ser amada que era como se a chuva fosse também amor. A chuva que tamborilava durante o jantar. A chuva que tamborilava enquanto ela fazia os trabalhos de casa, a chuva que tamborilava enquanto a mãe fazia malha. A chuva que tamborilava no Natal com a arvorezinha triste que se conseguia de graça na Noite de Natal. A chuva que tamborilava enquanto abria os presentes que a mãe tinha comprado com o dinheiro posto de parte durante o outono inteiro. 
      Sentou-se por algum tempo no escuro e ao frio, à mesa da cozinha, ouvindo a chuva e sentindo-se comovida. Depois acendeu uma luz e abriu uma garrafa e ateou o lume no fogão e lenha. A chuva caia sem parar."

Jonathan Frazen, Purity, p. 677

a pergunta

When Everyone’s a Friend, Is Anything Private?

terça-feira, 20 de outubro de 2015

grandes momentos Downton Abbey



1ª Temporada, episódio 4.

Jornal i# 39 - Quatro razões, mais uma, para Cavaco não nomear Costa


"1.   Desde logo, jurídico-constitucionalmente, o Presidente da República (PR), tem legitimidade democrática direta, é um órgão com poderes próprios, com funções de direção política, podendo exercê-las com liberdade política ainda que dentro dos limites do n.º 1 do artigo 187.º da CRP;

2.   A declaração do PR depois da audiência a Passos Coelho afasta todas as propostas revolucionárias (NATO, Euro) que formam a matriz identitária do BE e do PCP. O PR sabe que para Jerónimo e Catarina Martins, o PS antes das eleições era um partido de direita, foi com base nesse “trunfo” que fizeram campanha e foi essa acusação que foi sufragada pelos portugueses;

3.   António Costa (AC) deixou claro que as negociações à esquerda correm melhor que as à direita. Contudo, estas negociações não são para a formação de um governo de esquerda (algo que não é aceite dentro do próprio PS e mesmo no BE e no PCP) mas para permitir que o PS, que elegeu menos deputados (86)  que o PSD (89) e, claro está, que a PàF (107), forme governo com o acordo parlamentar do BE e do  PCP. Ora, o PR não pode nomear AC para Primeiro Ministro, neste cenário, justamente porque o tal limite do artigo 187.º, n.º 1 da Constituição são os “resultados eleitorais” que, como é sabido, deram a vitória à Coligação;

4.   Com um governo minoritário PSD/CDS, não é garantido que o programa de governo e o orçamento chumbem, por existir um artigozinho na Constituição onde se lê “os Deputados exercem livremente o seu mandato” e não faltam exemplos de deputados desalinhados com a orientação da direção parlamentar na nossa história constitucional;

5. Por último fica o argumento-argumento: muitos idealizam a vida política nacional como uma réplica da série “Borgen”. Tal poderia não ser totalmente desajustado da realidade se não estivéssemos a falar de AC. Infelizmente, AC apresenta mais similaridades com a personagem principal da série “House of Cards” e a forma como se descartou de José Seguro é prova disso. E, na vida real, ninguém quer um Francis Underwood no poder."
Hoje, para o i.