quarta-feira, 30 de março de 2016

Jornal i #58 - Lições dos inimigos da liberdade: PCP e Podemos

Ontem, para o i,

Por estes dias, a esquerda brinda-nos com belas lições e propostas arrojadas e, sobretudo, perigosas. Vejamos o que nos ensinou o deputado comunista Miguel Tiago, que já em 2012 ameaçava, com declarações bombásticas, o direito de propriedade privada da “corja” que desprezava a Constituição – curiosamente, um admirador das liberdades e dos sucessos económicos do comunismo soviético, do regime norte-coreano do querido líder Kim Jong-il, do castrismo comunista cubano e do chavismo venezuelano: “O terrorismo, a pobreza, a fome, o desemprego, os baixos salários, a criminalidade, a guerra, a degradação cultural, artística, social e ambiental resultam das políticas da direita.” Repita a lição várias vezes, caro leitor, e será um comunista apto a empunhar o livrinho vermelho de Mao.


Mas também de Espanha nos chegam propostas arrojadas de uma esquerda supostamente mais moderninha nos modos: o Podemos. Na sequência de declarações, ao “Daily Mail”, do conhecido imã britânico Anjem Choudary, propondo ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a eliminação da Semana Santa em Espanha, eis que o Podemos veste a camisola dos nuestros hermanos musulmanes por considerar que, além da ofensa aos muçulmanos, as procissões são atos que “atrasam a sociedade”. Não haveria qualquer obstáculo a esta proposta arrojada caso a nossa “sociedade atrasada” não consagrasse um principiozinho chamado liberdade religiosa.

Por outro lado, o recuo do cristianismo na Europa tem consequências. Entre elas, a ignorância abissal sobre a história da civilização a que se pertence. A esquerda considera-o um “progresso”, uma libertação de “dogmas”, de “fantasias”. Só que essa libertação não lida apenas com questões transcendentes, atinge outras: igrejas, estátuas, museus, tradições, hábitos, celebrações – todo um legado material e civilizacional do Ocidente, indecifrável para um número considerável de analfabetos.

Adenda: este texto deu origem a uma pequena controvérsia entre mim e uma tal senhora professora. Toda a história aqui e aqui

Jornal i #57 - Corrupção no Brasil: um mal menor


Com atraso, o texto para o i da semana passada:

No momento em que escrevo, Lula já não é ministro do país que deu o samba ao mundo. Mais uma vez. Enquanto o nosso governo se preocupa em desfazer as medidas do governo PàF, sem apresentar alternativas (veja-se o caso do fim dos exames), do outro lado do Atlântico, o princípio da separação de poderes deu lugar ao princípio da confrontação de poderes. A nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil, em substituição de Jaques Wagner, é isso mesmo: uma tentativa de o poder executivo manifestar a sua força sobre o poder judicial. Lamentavelmente, a presidenta não terá lido Montesquieu, estando demasiado ocupada na luta armada enquanto membro do Comando de Libertação Nacional e da Vanguarda Armada Revolucionária, mas está lá. No capítulo iv, livro vi, sobre liberdade política, diz o espírito das leis: “C’est une expérience éternelle que tout homme qui a du pouvoir est porté à en abuser (...) Pour qu’on ne puisse abuser du pouvoir, il faut que, par la disposition des choses, le pouvoir arrête le pouvoir.”


Face a isto, o PCP, partido que sustenta o atual governo, com a tradicional argúcia acrobática argumentativa a que já nos vem habituando, justifica a convulsão brasileira, sem qualquer alusão à corrupção (um mal menor, imagino...), com a “crise do capitalismo” (implementado por Dilma ou por Lula, já agora?) e condena a operação de desestabilização e de “cariz golpista” que está a decorrer no Brasil, manifestando-se solidário “com as forças progressistas brasileiras”.

Portanto, o PCP não reconhece vícios na nomeação de Lula da Silva, não reconhece a ordem judicial a decretar a prisão preventiva do mesmo e entende que as manifestações da sociedade civil contra o governo, organizadas em dias de descanso (domingos, em regra) para não causar transtorno ao trabalhador, são de “cariz golpista”. Pergunto, então, ao PCP, se o capitalismo está em crise no Brasil, qual é o modelo a seguir? O soviético, o venezuelano, o albanês, o norte-coreano? Ou haverá outro exemplo de sucesso?

quinta-feira, 17 de março de 2016

quarta-feira, 16 de março de 2016

Jornal i # 56 - Do poliamor ao excesso de regulamentação de leguminosas

Ontem, para o i,

Nos seus versos, Camões deixou claro que “amor é fogo que arde sem se ver”. Entretanto, o tempo passou, a vida aconteceu, e o fenómeno (sinceramente, não sei qual o melhor adjetivo) dos “amores plurais” ou do poliamor terá obrigado o poeta luso a usar o plural ou a revisitar a sua perceção. Será?Eu explico: leio na “Visão” que “o interesse romântico e/ou sexual por mais de uma pessoa é um dilema que a monogamia ainda não resolveu”. A minha pergunta imediata é: mas devia? Só mesmo um Camões da pós-modernidade poderá responder a esta inquietação.

E por falar em poesia, aposto que o leitor não sabia que a nossa burocrata e cinzentona Bruxelas, nos idos anos 80, inspirada pela chaminha burocrática e estatista, no Regulamento 1591/87, conseguiu a proeza de dedicar 5371 palavras a couves-repolho, couves-de-bruxelas, aipos e espinafres. Perdão, o “Daily Express” especifica: 5 mil palavras dedicadas a couves-repolho e as demais 371 às restantes leguminosas mencionadas - uma façanha inédita quando comparada com textos tão profundos como o discurso de Gettysburg, de Abraham Lincoln, com 271 palavras, ou mesmo os dez mandamentos, com apenas 297. Repolhos e aipos exigem mais prosa, pois claro. Mas não é só a extensão da prosa: há que concretizar, especificar, complicar. Veja-se o caso dos pepinos, regulados no Regulamento n.o 888/97 da Comissão de 16 de maio de 1997, que podem ser “ligeiramente recurvados” (mas apenas “ligeiramente”) e ter uma altura máxima de arco de 20 mm por 10 cm; ou a noção, delimitada de forma sofisticada e colossal, de batata nova ou primor, recentemente transposta para o decreto-lei n.o 14/2016. Já agora, a pergunta: acha que os agricultores são atordoados pelo excesso de regulamentação e de exigências europeias?

quarta-feira, 2 de março de 2016

Jornal i # 55 - Três descobertas científicas da esquerda

Ontem, para o i,

Na última semana descobrimos que o neoliberalismo engorda e que as desigualdades sociais provocam fraturas na anca. Estas duas bestiais descobertas, muitíssimo científicas, permitem-nos, por exemplo, medir com um grau de exatidão elevado, preciso, o nível de neoliberalismo no sangue dos nossos governantes. Por exemplo: comparando a elegância de Passos Coelho com as gordurazitas de António Costa, ficamos certos que o último, digamos, mais anafadinho, é, a olhos vistos, o mais neoliberal. Mas não só: elas atestam também a ineficácia do nosso Estado social, cada vez mais amplo, mais prestacional, mas incapaz de cobrir a dorzita na anca.

E por falar em prestações, o ministro Vieira da Silva, criatura normalmente sóbria e sombria, adiantou no parlamento mais uma descoberta científica, de forma colossal e triunfante, sobre a bancada do PSD: “Os senhores perderam as eleições!” Assim se vê a qualidade da “metodologia” científica da geringonça.

Mas a grande descoberta cientifica da semana veio do Bloco que, para comemorar a vitória de mais uma causa fraturante, divulgou um cartaz onde se lê “Jesus também tinha dois pais”. Não bastou aprovar a legislação em causa nos órgãos democráticos, muito menos comemorar com uma garrafa de espumante e respetivo caviar: era preciso chocar. Pois é, mas se eu fosse um dos beneficiados da conquista celebrada não iria gostar de ser objeto de comparação com uma figura que foi perseguida, capturada, torturada e assassinada por ter ideias menos “próprias” para a altura. Aliás, Miguel Vale de Almeida manifestou reprovação. Talvez fosse mais apropriado para o efeito pretendido usar o lema “a geringonça também tem dois pais”. E, já agora, e porque falamos de igualdade, e a mãe?