quarta-feira, 30 de novembro de 2016

a maior Utopia de todas

entre suspiros e "ais", prometemos (ao Outro e a nós mesmos) mudar, melhorar, não repetir uma acusação, um reparo (mesmo que sinceros), uma provocação pueril ou, também acontece, não esconder uma opinião, uma impressão pessoal ou - esta é uma constante - uma experiência do passado. Tudo isto fica guardado, não sei bem aonde, e vai, obviamente, formando uma acumulação emocional que vai pairando, sob pressão.

Não as censuro, essas duas sombrinhas concordantes quenuma condição asfixiante, buscam uma nova ordem ou apenas um ponto de ordem. Nestas piedosas promessas de evolução pessoal,  pressuposto necessário da evolução para uma relação consistente e inabalável com o Outro, procuramos a maior Utopia de todas: o equilíbrio entre duas pessoas. Talvez a única (a mais importante, é verdade) que mereça, verdadeiramente, o esforço desumano que imprimimos na sua perseguição.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A Coroa

The Crown, não é só sobre a Rainha Isabel II. Tem, por exemplo, a representação enorme, extraordinária, profundamente comovente de John Lithgow, como Churchill.



terça-feira, 15 de novembro de 2016

Jornal i# 85 - A ameaça de Trump para o progressismo na América

Hoje, para o i

Os mesmos media que nunca puseram a hipótese de Hillary Clinton perder as eleições nos Estados Unidos da América explicam-nos agora, com enorme paternalismo – a nós e às criancinhas –, as razões da vitória inesperada de Donald Trump. As narrativas que imperam para justificar a surpresa são a sublevação de uma América escondida, a rejeição do establishment e uma suposta teoria da conspiração liderada pelo FBI.

Poucos são os que apontam como fator decisivo a incapacidade de Hillary Clinton para dar continuidade à mobilização iniciada por Obama. Pelo caminho, a comunicação social empreende um exercício de futurologia sobre como será a administração do presidente eleito.

Em relação ao futuro, as decisões do novo presidente em matéria de política externa e de defesa são as que preocupam os analistas, nomeadamente a relação com a Rússia e com a Europa, bem como uma eventual desvinculação da América de tratados internacionais, como os compromissos de Paris sobre as alterações climáticas, o TTIP ou a NATO. Há, contudo, uma dimensão interna que tem passado discreta mas que, por um lado, entendo que traduz uma das maiores derrotas dos democratas nesta eleição e, por outro lado, será seguramente uma das cartas decisivas que Trump tem à sua disposição para recolher apoios junto de vários grupos ideológicos do Partido Republicano: as nomeações para o Supreme Court que terão de ser feitas nos próximos quatro anos. 

Na verdade, Trump tem neste momento o poder de determinar a inclinação ideológica e condicionar o destino da agenda “progressista”, na próxima geração, com as várias nomeações para aquele tribunal, que lhe permitirão consolidar uma maioria conservadora numa instituição com um importante papel no jogo de checks and balances da democracia americana. Não está em causa apenas a substituição do ilustríssimo Antonin Scalia: há pelo menos mais três juízes em idade avançada e que poderão ser substituídos nos próximos quatro anos: Stephen Breyer (78, nomeado por Clinton), Anthony Kennedy (80, nomeado por Reagan) e Ruth Bader Ginsburg (83, nomeada por Clinton).

Em maio deste ano, o presidente eleito antecipou já uma lista com alguns nomes da sua preferência, todos eles profundamente conservadores, dos quais destaco William Pryor Jr., que expressou de forma clara o seu desprezo em relação à decisão histórica sobre o aborto, Roe versus Wade, como sendo a “maior aberração da história do direito constitucional” americano. 

A vitória de Donald Trump não representa apenas a derrota de Hillary Clinton, podendo resultar na afirmação de uma agenda conservadora que funcione como tampão judicial para o progressismo acelerado que se impôs na América nos últimos anos.

domingo, 13 de novembro de 2016

Jornal i #84 - A herança de Obama

A semana que passou escrevi para o i,

Leio no “NY Times” que os americanos que em tempos acreditavam na hope and change de Obama são os mesmos que depositam esperança na “mudança” proposta por Donald Trump. Não vejo como é possível comparar o tipo de projetos políticos dos dois candidatos, mas terá Obama contribuído para o tipo de campanha presidencial a que temos assistido?

Estávamos em 2008 quando, pela primeira vez, era eleito um presidente dos EUA chamado Barack Hussein Obama, o primeiro presidente negro, o candidato da esperança e da mudança, com uma história de vida única que materializava uma rutura com a norma: casado com uma descendente de escravos, de origem modesta, com trabalho, esforço e dedicação estuda nas melhores universidades até conquistar a Sala Oval. O maior mérito de Obama talvez tenha sido a inspiração que essa história representou para os eleitores e a sua rejeição absoluta de qualquer tipo de pessimismo ou de negativismo. Tranquilo, seguro, carismático, Obama arrebatou o mundo, que exaltou a sua vitória em termos messiânicos, acreditando na “mudança”. Porém, o que significa hoje, política e moralmente, essa “mudança”? A resposta é difícil, mas creio que em parte tem sido dada por esta indecorosa campanha presidencial, que institui um momento de forte desesperança nacional, de desilusão democrática e insatisfação popular, marcando da pior forma o fim da promissora presidência de Obama.

Dir-me-ão que não é justo culpar Obama por ter como hipotéticos sucessores os piores candidatos de sempre, com taxas de popularidade bastante reduzidas (Hillary está em segundo lugar e Trump é o pior de sempre). Ou que eram demasiados os desafios colocados pela polarização e divisão da sociedade americana. Certo, porém, é que a um candidato capaz de criar expetativas tão altas exigia-se que não falhasse: as grandes expetativas podem causar trágicas desilusões. Porém, Obama defraudou os anseios de muitos dos seus apoiantes, algo que o próprio reconheceu em várias intervenções. Depois deste falhanço messiânico, qualquer candidato seria válido.

Ainda assim, atribuir a descrença geral e o cinismo crescente dos americanos exclusivamente a uma frustração provocada por Obama é excessivo. Esta campanha, além de contribuir para a degradação crescente, sobretudo nas “redes”, do debate público, expôs aos americanos o lado obscuro da política e o comportamento vergonhoso de algumas instituições democráticas: a falta de seriedade e transparência do comité nacional democrático a gerir a candidatura de Bernie Sanders; a confirmação de que magnatas como Trump vigarizam os impostos; as fraudes e a falta de transparência da suposta filantropia da fundação dos Clinton; a discrepância das suas posturas em público e privado, nomeadamente com grupos financeiros como o Goldman Sachs; a promiscuidade das interações entre as máquinas de campanha e os media revelada, entre outros casos, pelo envio antecipado, por Donna Brazile, de questões que seriam colocadas a H. Clinton apenas em debate; e, por último, a postura ambígua do FBI em relação à candidata democrata, com a aproximação da data das eleições.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

unable to go forward

Numa das várias entrevistas citadas no suplemento "Book Review" do NYT de hoje (p. 22) Ferrante diz assim: "I'm working intensely on a new book, ... and every morning I start writing with the anxiety of being unable to go forward".

Escrever uma tese de doutoramento não é muito diferente.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Jornal i #83 - Vai ter golpe?

Esta semana, para o i,

Dias após Donald Trump ter sofrido um significativo revés, com a divulgação de uma conversa mantida com um dos membros do clã Bush onde a marca machista do candidato republicano nos foi oferecida sem pudor nem filtro, a campanha para as eleições norte-americanas continua a dar-nos a oportunidade de olhar pelo buraco da fechadura para espreitar os pormenores mais sórdidos daquilo que é a dimensão comportamental dos candidatos. Esta semana é a candidata democrata que está na berlinda, após o anúncio de que o FBI terá decidido reabrir uma investigação, supostamente encerrada em julho deste ano, ao uso indevido de emails por parte de Hillary. Há que ter presente que aquilo que James Comey, diretor do FBI, decidiu, é completamente inédito: a dez dias das eleições, reabriu uma investigação a uma candidata nomeada pelo Partido Democrata à presidência dos Estados Unidos da América (EUA). O caso, recorde-se, gira em torno de um endereço de email de Clinton que, enquanto secretária de Estado, utilizou um servidor privado instalado em sua casa em vez de um endereço do governo, expondo à pirataria a confidencialidade de assuntos de Estado e de segredos da diplomacia americana. 

Não é fácil prever qual o impacto que esta decisão pode ter no desfecho eleitoral. Comey já deu nota de que o calendário eleitoral não vai marcar o ritmo da investigação e que não tem a certeza de quanto tempo irá demorar a revisão adicional do caso, indicando que não haverá uma clarificação antes do momento da eleição. Trump e os seus apoiantes têm aproveitado a ocasião para enfatizar aquela que é a sua principal mensagem, que a sua batalha é contra os poderosos e corruptos. O debate eleitoral há muito que deixou de ser ideológico para se tornar identitário, e a campanha republicana joga tudo na tentativa de criar em redor de Trump uma coligação dos descamisados da América, dos defensores do orgulho americano contra o mal e os poderosos, corporizados em Clinton e nas diversas administrações democratas, de Bill Clinton e Obama, de que ela será a herdeira. As sondagens continuam a dar ligeira vantagem à candidata democrata e o esforço republicano e a dramatização do seu discurso poderão não ser suficientes para evitar a eleição da primeira mulher presidente dos EUA. É sensato, contudo, não fazer uma analogia com aquilo a que assistimos recentemente no Brasil, onde a eleição democrática da presidenta Dilma, debilitada por um processo judicial, terminou na sua destituição. Muitos apontam esse risco, de Hillary Clinton iniciar o seu mandato a braços com um processo que, pela sua densidade, a fragilizará politicamente, abrindo o flanco a uma instrumentalização política do fenómeno judiciário para obter a sua destituição. Que isso ocorra naquela que, há décadas, é considerada a democracia mais forte do planeta, é paradigmático da crise institucional que perpassa pela generalidade das suas nações.

P.

P. era um homem indestrutível. Pelo menos parecia, fazendo de tudo para nos fazer senti-lo desse jeito. Alto, fanfarrão, largo de costas, com uma barriga farta, olhos esbugalhados, toda uma aparência larger than life construída ao som de amplas gargalhadas e de movimentos ligeiramente bruscos, que o glorificavam e lhe atribuíam uma magnitude contagiante. Este foi um homem abençoado pela privação de qualquer espécie de angustia existencial, impotência, imobilismo - tudo aquilo que nos afetam a nós, o comum dos mortais. Essa sua característica era o que lhe permitia desempenhar uma função heróica na vida em sociedade, um colaborador da História e não um mero espectador. P. fazia parte daquele conjunto de pessoas a quem a Natureza (ou Deus, eu sei lá) não tinha equipado com a capacidade de estar quieto mais de cinco segundos, sobretudo quando não era o centro das atenções. Convencido ser senhor de verdades totais, que proclamava com uma voz sonora, P.  estava acostumado a ser escutado e a causar sensação nas salas. Quando não preenchia essa condição natural fumava, bebia, soltava mais uma gargalhada, agitava-se na cadeira e abanava a ponta do pé, enquanto procurava enquadrar socialmente a próxima toada.

A mim, encantava-me ouvi-lo: ficava por ali, numa espécie de pasmo a sentir toda aquela vibração bestial. Fazia-me lembrar outra pessoa com quem em tempos convivi e que, por brevíssimos momentos, muito me encantou com tanta truculência social - até descobrir que tudo aquilo era representação teatral.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

o verdadeiro Halloween







Ontem, pela primeira vez na minha vida, festejei o Halloween - o verdadeiro. Com um casal de amigos que tem dois filhos lá fomos, rua acima, rua abaixo, com os vizinhos, fazer o trick or treat. A América gasta 10 biliões de euros anualmente com o Halloween, pelas imagens percebe-se bem porquê. As fotografias foram tiradas em Georgetown, onde me deslumbrei com as casas e com  a simpatia, elegância, distinção, dos seus proprietários. A real treat, I say.