domingo, 13 de novembro de 2016

Jornal i #84 - A herança de Obama

A semana que passou escrevi para o i,

Leio no “NY Times” que os americanos que em tempos acreditavam na hope and change de Obama são os mesmos que depositam esperança na “mudança” proposta por Donald Trump. Não vejo como é possível comparar o tipo de projetos políticos dos dois candidatos, mas terá Obama contribuído para o tipo de campanha presidencial a que temos assistido?

Estávamos em 2008 quando, pela primeira vez, era eleito um presidente dos EUA chamado Barack Hussein Obama, o primeiro presidente negro, o candidato da esperança e da mudança, com uma história de vida única que materializava uma rutura com a norma: casado com uma descendente de escravos, de origem modesta, com trabalho, esforço e dedicação estuda nas melhores universidades até conquistar a Sala Oval. O maior mérito de Obama talvez tenha sido a inspiração que essa história representou para os eleitores e a sua rejeição absoluta de qualquer tipo de pessimismo ou de negativismo. Tranquilo, seguro, carismático, Obama arrebatou o mundo, que exaltou a sua vitória em termos messiânicos, acreditando na “mudança”. Porém, o que significa hoje, política e moralmente, essa “mudança”? A resposta é difícil, mas creio que em parte tem sido dada por esta indecorosa campanha presidencial, que institui um momento de forte desesperança nacional, de desilusão democrática e insatisfação popular, marcando da pior forma o fim da promissora presidência de Obama.

Dir-me-ão que não é justo culpar Obama por ter como hipotéticos sucessores os piores candidatos de sempre, com taxas de popularidade bastante reduzidas (Hillary está em segundo lugar e Trump é o pior de sempre). Ou que eram demasiados os desafios colocados pela polarização e divisão da sociedade americana. Certo, porém, é que a um candidato capaz de criar expetativas tão altas exigia-se que não falhasse: as grandes expetativas podem causar trágicas desilusões. Porém, Obama defraudou os anseios de muitos dos seus apoiantes, algo que o próprio reconheceu em várias intervenções. Depois deste falhanço messiânico, qualquer candidato seria válido.

Ainda assim, atribuir a descrença geral e o cinismo crescente dos americanos exclusivamente a uma frustração provocada por Obama é excessivo. Esta campanha, além de contribuir para a degradação crescente, sobretudo nas “redes”, do debate público, expôs aos americanos o lado obscuro da política e o comportamento vergonhoso de algumas instituições democráticas: a falta de seriedade e transparência do comité nacional democrático a gerir a candidatura de Bernie Sanders; a confirmação de que magnatas como Trump vigarizam os impostos; as fraudes e a falta de transparência da suposta filantropia da fundação dos Clinton; a discrepância das suas posturas em público e privado, nomeadamente com grupos financeiros como o Goldman Sachs; a promiscuidade das interações entre as máquinas de campanha e os media revelada, entre outros casos, pelo envio antecipado, por Donna Brazile, de questões que seriam colocadas a H. Clinton apenas em debate; e, por último, a postura ambígua do FBI em relação à candidata democrata, com a aproximação da data das eleições.

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