quinta-feira, 3 de novembro de 2016

P.

P. era um homem indestrutível. Pelo menos parecia, fazendo de tudo para nos fazer senti-lo desse jeito. Alto, fanfarrão, largo de costas, com uma barriga farta, olhos esbugalhados, toda uma aparência larger than life construída ao som de amplas gargalhadas e de movimentos ligeiramente bruscos, que o glorificavam e lhe atribuíam uma magnitude contagiante. Este foi um homem abençoado pela privação de qualquer espécie de angustia existencial, impotência, imobilismo - tudo aquilo que nos afetam a nós, o comum dos mortais. Essa sua característica era o que lhe permitia desempenhar uma função heróica na vida em sociedade, um colaborador da História e não um mero espectador. P. fazia parte daquele conjunto de pessoas a quem a Natureza (ou Deus, eu sei lá) não tinha equipado com a capacidade de estar quieto mais de cinco segundos, sobretudo quando não era o centro das atenções. Convencido ser senhor de verdades totais, que proclamava com uma voz sonora, P.  estava acostumado a ser escutado e a causar sensação nas salas. Quando não preenchia essa condição natural fumava, bebia, soltava mais uma gargalhada, agitava-se na cadeira e abanava a ponta do pé, enquanto procurava enquadrar socialmente a próxima toada.

A mim, encantava-me ouvi-lo: ficava por ali, numa espécie de pasmo a sentir toda aquela vibração bestial. Fazia-me lembrar outra pessoa com quem em tempos convivi e que, por brevíssimos momentos, muito me encantou com tanta truculência social - até descobrir que tudo aquilo era representação teatral.

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