segunda-feira, 12 de novembro de 2018

um agradecimento que ficou por fazer





ao Jonas que, ao longo destes quatro anos, esteve sempre disponível quando eu precisei. Nos sítios mais improváveis e às horas mais disparatadas.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

os ombros da Maria Alice

lembro-me como se fosse hoje: a Maria Alice atendia o telefone e eu, filha única muito zelosa daquela segunda Mãe, perguntava-lhe com a mesma desconfiança, "quem era, Alice?". "Uma menina de quem em tempos cuidei", respondia-me. Seguia-se um momento de conforto: a Maria Alice desviava o olhar e encolhia os ombros (propositadamente ou não, preferi nunca confirmar) para que eu percebesse que a outra menina não era importante na sua vida.

hoje, pedi a Deus e aos deuses que os teus ombros não saíssem do sítio, e que nenhuma menina te perguntasse o que quer que fosse quando desligaste o telefone Maria Alice.

domingo, 28 de outubro de 2018

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

o que faz um beirão (entre outras coisas)

"Sou beirão, sou beirão!"
dizia ele
com o peito cheio
e um caneco na mão.

"Oh!,
isso são atoardas
de um falso beirão"
respondi-lhe eu
num safanão

"Sim, é verdade,
todos sabemos que
o que faz um verdadeiro beirão
é a sua educação
no momento da saudação:
ao cumprimentar
beijar sempre as duas bochechas das Senhoras
em qualquer lugar,
em qualquer ocasião,
estando na sua terra ou não.

Sim, beirão que é beirão espeta-me dois beijos na cara,
com sofreguidão,
em Lisboa ou não.

Vá, dá cá dois beijinhos,
para eu ver se em ti há ou não um beirão".

[escrito depois de uma conversa com um ilustre beirão algures esta semana]

domingo, 30 de setembro de 2018

a transformação

"Durante anos, tinha bastado ser inteligente. Tudo o que isso significava, ao início, era que se era capaz de responder ao tipo de perguntas que os professores faziam. Todo o mundo parecia ser baseado em factos, o que fora um alívio para Greer, que era capaz de apresentar factos com grande facilidade, como um mágico a tirar moedas de trás de qualquer orelha disponível. Os factos apareciam diante de si e depois ela limitava-se a dar-lhes voz, tornando-se assim conhecida como a mais esperta da turma.
Mais tarde, quando já não eram só factos o requerido, tudo se tornou mais difícil para ela. Ter de se expor - as suas opiniões, a sua essência, a substância particular que revolvia dentro de uma pessoa e a tornava quem era - tanto a exauria como assustava (...)".

Meg Wolitzer, A persuasão feminina, Teorema, 2018, p. 16.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

as virtudes de Churchill

Passando em revista a "lista de debacles" que Boris Johnson enuncia sobre Churchill no seu livro "Fator Churchill", da qual constam, entre outros momentos históricos, a crise do trono provocada pelo coração do Rei Eduardo VIII ou o erro de avaliação de Churchill sobre a Índia, é verdadeiramente notável que Churchill tenha sobrevivido a todos estes episódios para vir a ser o PM que, mais tarde, salvou a Europa. Igualmente notável é a descrição de Boris Johnson das virtudes que imputa ao seu (ao nosso?) herói e que lhe terão valido nas dificuldades:

"Que nos diz ela [a tal lista] do caráter de Winston Churchill? Com toda a evidência diz-nos que tinha justamente isso, aquilo a que se chama caráter. Qualquer um desses fiascos, só por si, teria arruinado a carreira de um político normal. Que Churchill possa ter sobrevivido é um tributo à sua capacidade de recuperação, a alguma substância tipo Kevlar com que resguardou o ego e o ânimo. Ajudou-o o facto de ser extrovertido, de conseguir exprimir-se tão naturalmente. Não interiorizou as suas derrotas e, com a exceção de Gallipoli, não roeu as entranhas recriminando-se. Não permitiu que os abundantes e pitorescos desastres alterassem fundamentalmente a maneira como se via. E é um reflexo da preguiça natural dos seres humanos que os outros tendam a julgar-nos sobretudo segundo o juízo que fazemos de nós próprios."

O Fator Churchill. Como um homem fez história, Boris Jonhson, D. Quixote, 2014, p. 235.


"Capacidade de recuperação" - não será mesmo isto que faz de qualquer ser humano um herói?

quarta-feira, 18 de julho de 2018

um certo tipo de discurso

Miguel Tamen: (...) E desconfiar intuitivamente daquelas coisas que são ditas com um tom muito enfático por muitas pessoas. Quando há muitas pessoas a dizerem a mesma coisa, adotam um tom muito característico ...

Ler: Usado, por exemplo, no name dropping? É uma parte desse tom.

Miguel Tamen: Sim, um tom no sentido prosódico do termo. Quase todas as pessoas na televisão, nas arenas políticas, nas conferências profissionais, usam esse tom: o de alguém-que-está-a-ensinar-coisas. É um tom que sugere que elas veem coisas que não são evidentes para mais ninguém e que elas nos vão explicar a todos com-é-que-essas-coisas-são.

Ler: Em grande parte, o sucesso dessas pessoas depende da absoluta evidência e banalidade do que dizem.

Miguem Tamen: Mas o sucesso depende de os outros estarem convencidos de que els sabem mais. Trata-se de pessoas que têm acesso a conhecimentos e a segredos especiais e que se dignam comunicá-los, com o tom um bocadinho impaciente e um bocadinho enfadado de um professor para quem os alunos são todos estúpidos. É o tom habitual dos debates na televisão e das discussões políticas e intelectuais em Portugal. É o tom também de um certo discurso intimidatório relativo à arte e à literatura. É aquilo a que um crítico literário chamava ''demonstrações no sentido militar do termo'".


Revista Ler, Primavera 2018, p. 26.


domingo, 10 de junho de 2018

qualquer coisa amarga como fim de doçura

"- Ana... Eu vou-me embora, amanhã. Tenho que ir, bem sabes. Adeus, Ana. - Dum fôlego disse tudo aquilo; e intimamente felicitou o seu arrojo de cobarde. 
- Vai-se embora? - Era como se ela achasse natural, como se fosse muito natural, já esperada, a resolução duma partida. Deitada na cama, deixara de bamboar os pés descalços, de fazer malabarismos com as chinelas de verniz; abria-se um vácuo, uma profundidade, dentro de si; qualquer coisa que voava, que fugia; qualquer coisa amarga como fim de doçura; qualquer coisa como um rugir de multidão desvairada dentro duma cabeça quieta, erguida, atenta."

Agustina Bessa-Luís, Deuses de Barro, p. 104

domingo, 27 de maio de 2018

Maio de 68


"Não por acaso se associa quase sempre um romantismo juvenil ao Maio de 68. E, tudo bem visto e ponderado, foi precisamente esta a herança que ficou e perdurou, exacerbada pelo aggiornamento pós-modernista, que não passa de um hiper-romantismo que entronizou como valor supremo os direitos da soberania do “Eu”: a ditadura do subjectivismo radical; o sujeito como critério de tudo, da verdade e da mentira, do belo e do feio, do bem e do mal. Maio de 68 não tinha uma agenda política definida e coerente. Mas toda a gente, ou muita gente, tinha uma agenda pessoal pressurosa: libertar o “Eu” das regras e convenções que o silenciavam e que, silenciando, matavam. O nosso “Eu”, reduzido a um sussurro clandestino, ora lírico, ora gemente, precisava de ar para respirar e gritar alto as suas dores, e as suas exigências. (...)".

"Estivemos lá, mas esse é um mundo que está a desaparecer à nossa frente", Maria de Fátima Bonifácio, aqui.

lenda de infantilidade

- Não sabes do teu irmão? Que é dele? - Falou com a boca cheia, a disfarçar a insistência; estava coradinha e bonita.
- Não querem lá ver, está tola?! - Alarmou-se, a Maria José. O irmão! O seu irmão! Nutria por ele um complexo sentimento; era carinho, maternal cuidado; era um tanto incestuoso ciúme; era sobretudo desejo de domínio. O seu irmão, querido, aborrecido irmão! E tratava-o como a criança impertinente, preocupava-se em não deixar esmorecer essa lenda de infantilidade, exibia os seus deveres de irmã mais velha (...).

Agustina Bessa-Luís, Deuses de barro, p. 46.

domingo, 6 de maio de 2018

Com a Internet (...)

temos realmente a ilusão de sermos pessoas únicas e de sermos capazes de gerir a superabundância de pesquisa do sentido da vida."

Zygmunt Bauman e Thomas Leoncini, Nados Líquidos. Transformações do terceiro milénio, p. 59


sábado, 28 de abril de 2018

alegrias da minha vida



conseguir trazer o Max Schrems a Portugal e lançar, em coordenação com um ilustríssimo académico português, uma revista sobre proteção de dados pessoais.

domingo, 22 de abril de 2018

um homem apaixonado

"Um homem apaixonado caminha pelo mundo como um anarquista a carregar uma bomba relógio".

Graham Greene, O Fator Humano, Livros RTPp. 186


segunda-feira, 16 de abril de 2018

Emoticons e o futuro alfabeto

"Emoticons foram o início do fim, mas só o início. O coaxar dos sapos no brejo começou a incomodar mesmo com a chegada dos emojis. Confesso que, de novo, demorei pra entrar na onda. Desta vez não por burrice, mas por senso do ridículo. Quando que um adulto como eu iria mandar pra outro adulto um “smile” bicudo soltando um coração pelo canto da boca, como se fosse uma bola de chiclete? Nunca! “Nunca”, no caso, revelou-se estar a apenas uns cinco anos de distância da minha indignação.

Hoje eu mando coração pulsante pra contadora que me lembrou dos documentos do IR, mando John Travolta de roxo pro amigo que me pergunta se está confirmado o jantar na quinta e, se eu pagasse imposto sobre cada joia que envio daquele mãozão amarelo, não ia ter coração pulsante capaz de fazer minha contadora resolver a situação.

“Em meados do século 21” —escreverá o historiador de 2218— “a humanidade abandonou o alfabeto e passou a se comunicar só por emojis”. A frase, claro, será toda escrita com emojis. Haverá tantos, tão variados, que será possível citar Shakespeare usando apenas desenhinhos. (Shakespeare, aliás, dá pra escrever. Imagem de milk-shake + duas chaves (keys) + pera (pear). Shake + keys + pear).

Teremos voltado ao tempo dos hieróglifos e não me assombra se as condições de vida regredirem às do antigo Egito, mas ninguém se importará, cada um de nós hipnotizado pela tela que tantos apregoaram ser uma nova pedra de Roseta, capaz de traduzir o mundo em nossas mãos, mas que no fim se revelou só um infernal e escravizante pergaminho. :-("

O António Prata é do melhor que por aí circula


sexta-feira, 13 de abril de 2018

feminismo no século XXI?

Comovi-me muito quando a L. me puxou para um canto e perguntou quais as implicações da escolha de um regime de bens de casamento em detrimento de outro. Ouviu, pacientemente, a minha explicação com os olhos ferrados nas palavras que iam saindo da minha boca mas só no fim é que revelou o que a apoquentava: saber se, na morte dela, o futuro marido iria receber uma pensão. Estava muito preocupada com ele, "um mandrião", na sua descrição.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

sábado, 10 de fevereiro de 2018

sábado, 27 de janeiro de 2018

possible schemes swim around









And I, don't know how, to slow it down
My mind's racing from chasing pirates

Well the man in there swings
while the silliest things
floppin around in my brain

And I try not to dream but them possible schemes
swim around, wanna drown me in synch

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

saudades do avô

Perguntei-te se sentias saudades do avô que morreu há mais de 20 anos. Sem grandes hesitações  ou justificações disseste-me que não. Tu não reparaste Maria Emilia, mas quase me vieram as lágrimas aos olhos. É que a tua resposta deu-me alento e, sobretudo, sossego interior: afinal esse tipo de saudades, provocadas pela morte, não corresponde a um desgosto perene.

O que eu não te contei foi que com (demasiada) frequência encaro a minha relação com o R. pelo prisma do futuro e fico assustada com o sofrimento que vai tomar conta de mim se ele morrer primeiro. Tenho plena consciência do quão retorcido e pouco saudável é este exercício, mas surge-me como incontrolável sempre que, de alguma forma, até em coisas menores, a nossa diferença de idade se manifesta. Pelo menos agora já sei: serão precisos uns 20 anos (quase a nossa diferença de idade) para deixar de ter saudades do R.. O que me dá algum conforto é a hipótese de virmos a ter filhos para estreitar a solidão e, sobretudo, gozar de outros bocadinhos dele durante esse período de declínio.

Mas será mesmo assim, Avó? Ou esta é a resposta de uma mãe a dobrar que, com os poderes transcendentes de um ser humano com 103 anos, consegue ler as almas e inquietações mais obscuras através dos olhos dos netos e dos filhos?