terça-feira, 12 de julho de 2016

Jornal i #72 - A ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs

Hoje para o i,

A semana passada, a reflexão patriótico-futebolista foi interrompida pela notícia da nova contratação da Goldman Sachs (GS): Durão Barroso (DB).

As reações fizeram-se sentir de imediato: a GS ajudou, em 2001, a mascarar as contas gregas para o cumprimento do Tratado de Maastricht; DB abandonou a pátria para ir para a Comissão Europeia (CE); ou até o já habitual argumento da promiscuidade entre finanças e política, curiosamente defendido por aqueles que propõem mais interferência do Estado na economia. O PS acusou DB de ter sido presidente da CE “nos piores anos do projeto europeu” - o que é diferente de acusar DB de ter sido o pior presidente da CE. No pot-pourri das indignações faltou uma apreciação objetiva e racional do trabalho, de 35 anos de vida pública de DB, sem condenações perpétuas e livre de preconceitos esquerdistas e puristas. Em 2001, DB nada tinha que ver com a GS nem com a CE, e nem tinha sido primeiro-ministro. Será razoável avaliar a sua decisão de hoje com base numa relação de ontem da GS e, convém dizê-lo, do governo grego, da qual não foi parte? Não creio. Já a “traição” de DB a Portugal recebeu a aprovação de Jorge Sampaio, então Presidente da República, e dos órgãos nacionais do PSD.

É lamentável que alguma esquerda - sobretudo a que não conhece independência da máquina sindical e de interesses corporativos - não compreenda uma decisão profissional e saudável de quem abandona a política para trabalhar no setor privado. Fico satisfeita que o nosso país não seja só de futebolistas nem de políticos que vivem à custa de pensões vitalícias. A ida de DB para a GS, um banco mundial e tão influente, é tão relevante quanto a candidatura de António Guterres à ONU.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Jornal i #71 - E a Venezuela? Não é "inamistosa"?

Hoje, para o i:


Neste delicadíssimo período de entusiasmo, união e reflexão patriótico-futeboleira sobre a “seleção de todos nós”, o assassinato de Carlos Gouveia foi praticamente um rodapé nos órgãos de comunicação social. O comerciante de 42 anos, radicado na Venezuela e desaparecido desde o dia 23 de maio, foi encontrado decapitado e sem mãos. Segundo o jornal i, este é o segundo português assassinado no paraíso do chavismo nas últimas duas semanas.

Não houve qualquer manifestação de solidariedade para com a família de Carlos Gouveia - nem uma só vela na porta da embaixada da Venezuela. As notícias foram praticamente inexistentes. Há mortes mais convenientes do que outras, e a indignação um estado de alma que tem de alinhar com o pensamento dominante: os nossos jornalistas estão maioritariamente mobilizados para cobrir as indignações do momento, tudo o que diga respeito ao Brexit, à falta de atitude do nosso Ronaldo, às frases do senhor Schäuble ou até ao policiamento partidário, como o que me foi generosamente oferecido pelo jornal “Expresso”, que me dedicou amplo espaço, fazendo “notícias” de criterioso copy/paste de opiniões como esta - sem, contudo, enviar o cheque pelos direitos de autor. Tanto mimo esgotou as linhas que poderiam servir para noticiar aquilo a que se assiste na Venezuela. Regista-se o critério jornalístico. Já aos nossos políticos - como aqui disse na semana passada - não sobra tempo, entre as várias deslocações, beijinhos e selfies, para de uma forma firme e sólida protestar e censurar o caos instalado na Venezuela, que põe em risco a vida dos muitos emigrantes portugueses que ali residem. Ficamos com a dúvida se a distração é genuína ou tática, não vá desagradar-se a PCP e BE, que não gostariam de ver a embaixada venezuelana a ser declarada “inamistosa”. Tão-pouco alguém aponta a dualidade de critérios: à rapidez com que o PS e o Bloco correram a pedir no parlamento uma condenação de um tribunal soberano de um país estrangeiro contrapõe-se um silêncio cúmplice em relação ao regime político de Maduro, que prende e mata sem pudor os seus opositores.

A situação na Venezuela, onde vivem centenas de milhares de portugueses, é extremamente grave e exigiria uma postura mais firme do nosso governo, sobretudo depois do assassinato de mais um português. Terei sido a única a ouvir António Costa prometer resolver os problemas dos emigrantes durante as comemorações do Dia de Portugal em Paris?

isto