quinta-feira, 7 de maio de 2015

por estes dias

     Crescer não é, ainda assim, profundamente desgostante. Entre outras coisas, aprende-se a viver com fantasmas. Não falo só das almas do outro mundo mas de coisas do antigamente. A meio de uma conversa, ao virar da esquina, em certas datas, damos de caras com um ou outro fantasma que julgámos que com o tempo não ia durar. Às vezes, em casa, batem-nos à porta. Por estes dias abri a porta e deixei entra uma imagem de há coisa de um ano, de um momento que vivi com a minha mãe.       
      Esperava-a, em Coimbra, num átrio de um consultório médico, virada de costas para a porta de onde ela sairia. Quando saiu, permaneci por alguns segundos quieta, antes de me virar e de a encarar; seguiu-se um silêncio pesado, pesadíssimo. Quando a reencontrei, a forma de mulher que se parecia com a da minha mãe vacilava; abriu a boca e, numa voz cansada mas com a meiguice de mãe que faz eco até ao fim do mundo, até mim, até hoje, os olhos vidrados e tomados de uma névoa – a mesma dos retratos antigos –, bocejou “más notícias”. Tenho a impressão de que estas palavras penetraram a circulação das minhas veias, e que através delas, seguindo o corpo, aquela Senhora tocou, como ninguém antes o tinha feito, no meu coração de carvalho. A verdade é que não me caiu uma única lágrima mas lembro-me de pensar em várias coisas. Entre elas, curiosamente, uma frase de Niels Lyhne que li algures, entre tantas outras, “seja como for, é bom ter um Deus a quem dirigir lamentos e orações”.

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