terça-feira, 11 de agosto de 2015

inconveniência necessária

"Nunca a tinha visto nua, envergonhei-me. Hoje posso dizer que foi a vergonha de pousar com prazer o olhar no seu corpo, de ser testemunha participante da sua beleza de rapariga de dezasseis anos, poucas horas antes que o Stefano lhe tocasse, a penetrasse, a deformasse, talvez, engravidando-a. Nessa altura foi apenas uma tumultuosa sensação de inconveniência necessária, uma situação em que não se pode voltar os olhos para outro lado, não se pode desviar a mão sem reconhecer a nossa perturbação, sem a declarar precisamente com esse retraimento, sem entrar em conflito com a imperturbada inocência de quem está perturbando, sem exprimir, com essa rejeição, a violenta emoção que te domina,  e por isso te obrigas a ficar, a pousar o olhar nas costas de rapaz, nos seios com mamilos inteiriçados, nas ancas estreitas e nas nádegas rijas, no sexo negro, nas longas pernas, nos joelhos macios, nos tornozelos sinuosos, nos pés elegantes; e fazes de conta que nada se passa, quando afinal tudo está a acontecer, presente, ali, no quarto pobre e escuro, em redor a mobília miserável, sobre um pavimento irregular manchado de água, e agita-se-te o coração, imflamam-se-te as veias.
      Lavei-a com gestos lentos e cuidadosos, primeiro com ela acocorada no recipiente, e depois pedindo-lhe que se pusesse em pé, e ainda tenho nos ouvidos o ruído da água a gotejar, e ficou-me a impressão de que o cobre da tina era de uma consistência não diferente da carne de Lila, que era lisa, rija, calma. Tive sentimentos e pensamentos confusos: abraçá-la, chorar com ela, beijá-la, puxar-lhe os cabelos, rir, fingir competências sexuais e instruí-la com voz douta, distancia-la com as palavras, justamente no momento de maior proximidade. Mas por fim ficou-me apenas o pensamento hostil de que a estava a lavar da cabeça as solas dos pés, de manhã cedo, só para que Stefano a sujasse durante a noite. Imaginei-a, nua como estava naquele momento, cingida ao marido, no leito da casa nova, enquanto o comboio estrepitava por baixo das janelas, e a carne violenta dele  entrava nela com um golpe seco, como a rolha de cortiça empurrada pela palma da mão para dentro do gargalo de uma garrafa de vinho.  E de repente pareceu-me que o único remédio para a dor que estava sentindo, que sentiria, era encontrar um recanto bastante retirado para que Antonio me fizesse a mim, as mesmas horas, exatamente a mesma coisa."

Elena Ferrante, A Amiga Genial, p. 249. 

Sem comentários:

Enviar um comentário