terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Jornal i# 86 - O peso da coroa

Com atraso, aqui deixo os textos que escrevi para o i nas últimas atribuladas semanas, (aqui):

Tenho lido que em “The Crown”, a série da Netflix sobre a rainha Isabel ii, há alguns excessos. Uns bons e outros maus. Por exemplo, é a produção mais cara da Netflix até à data (mais de 100 milhões de dólares). Mas, longe de ser um fairy tale sobre a aristocracia, com castelos e príncipes, “The Crown” é sobretudo um exame rigoroso e intrusivo à vida privada da Rainha, às suas relações com o marido (que em vários momentos critica a sua frieza) e, em especial, com a irmã (que quer casar com um homem divorciado), geridas em função de um interesse superior que se impõe a tudo e todos: a continuação da monarquia e a proteção do reino.

A justificação da quase desumanização a que a rainha se vê compelida, o peso da coroa que a leva a anular-se enquanto irmã, mãe e mulher, não é óbvia. Logo no início, a avó da soberana (Eileen Atkins) explica à jovem rainha que a monarquia corporiza uma missão de Deus de dignificação da vida terrena; constitui um exemplo, um ideal a alcançar pelo comum dos mortais, um modelo de nobreza, elevação e dever para inspirar as suas vidas miseráveis (a rainha-mãe usa mesmo o termo “wretched lives”). Isabel ii empalidece, mas apenas ligeiramente porque, nos episódios que se seguem, a monarca esforça-se por cumprir essa missão, os seus deveres e tradições da coroa, excluindo qualquer tipo de interferência emocional e sentimental das suas decisões para defender todo um sistema de governo. Estoica, modesta, rigorosa e avessa ao nonsense, esta rainha é uma mulher a admirar. Quem sabe, a representação de Claire Foy desta monarca pode até fazer dela um ícone para algumas feministas. Merecer-lhe-á, quase de certeza, alguns Emmys no futuro.

Quando Isabel ii sucedeu ao pai, Churchill (o primeiro de 13 primeiros-ministros desta rainha) tinha 73 anos. Do retrato desta relação quase paternal entre ambos sobressai a representação extraordinária, e muitas vezes comovente, de John Lithgow, que representa Winston Churchill em fim de carreira, em fim de vida, e que nos varre da memória qualquer recordação remota da estroinice de Dick Solomon (“Terceiro Calhau a contar do Sol”).

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